A CÓLERA

2ª Parte

 

Prof. Joaquim Tavares

J.TAVARES, MD, FCCP, FAASM

joaquim.tavares15@gmail.com

18.11.2007

A maioria das respostas  às perguntas da CME (Educação Médica Contínua) poderão ser encontradas nos textos que se seguem.

O primeiro capítulo é sobre um caso clínico que ao mesmo tempo vai ser uma resposta à questão número 9.
O segundo capítulo é para o público em geral e o terceiro capítulo vai ser mais para médicos, enfermeiros e técnicos de saúde.
 
1-Este é um caso de uma mulher negra de 65 anos de idade com história de enfizema, diabetes mellitus e hipertensão. Foi admitida com dispneia e tosse produtiva de um catarro amarelo. No tratamento, foi incluído um antibiótico (levofloxacina);  24 horas depois, a paciente melhorou da tosse e da dispneia mas começou a queixar-se de dores abdominais nos quadrantes inferiores e os leucócitos que na altura da admissão eram 6000 (normal:5000 a 10000), subiram para 25000 em 72 horas.  Como as dores não paravam, fizemos um TAC (Tomografia) abdominal e o radiologista telefonou-me dando conta do resultado (pelo radiologista, o TAC não mostrou apendicites, abcesso ou qualquer outro processo infeccioso, mas havia uma inflamação do intestino grosso que ele chamou de colite).
Na altura falei com um colega de gastrenterologia que fez uma colonoscopia que mostrou (eureka!): colite pseudomembranosa. Daqui presumimos que a paciente tinha colite causada pela bactéria clostridium difficile (C.Diff Colitis), começamos o tratamento com metronidazol e depois de 48 horas as dores passaram e os leucócitos baixaram para 12000.

 

Lição número 1: Não diagnosticamos a doença mais cedo porque a apresentação foi muito atípica (a paciente nunca teve diarreia, que é um dos principais sintomas  da colite pseudomembranosa)
 
Lição número 2: Devido ao uso indiscriminado de antibióticos (incluindo países do chamado terceiro mundo), há um aumento de casos de colite pseudomembranosa e, por isso, devemos estar sempre atentos; é uma doença muito contagiosa e todos os clínicos envolvidos no tratamento destes doentes devem tomar precauções como: usar luvas, lavar as mãos depois de examinar os doentes para evitar transmitir o organismo a outros pacientes ou levar o organismo para casa e contaminar a família.
 
 
2-CÓLERA (Para esta parte, revi artigos da OMS (WHO) e do CDC (Centro de Controlo de Doenças dos Estados Unidos).
 
A cólera é uma diarreia infecciosa aguda causada  pela ingestão de uma bactéria: Vibrio Cholerae
A infecção  é geralmente moderada ou sem sintomas, mas pode por vezes ser grave.
Uma em cada 20 pessoas infectadas sofre de doença grave, caracterizada por diarreia aquosa abundante, vómitos e cãibras nas pernas; Sem tratamento, nestas pessoas, a morte pode ser rápida.

 
 Como se adquire a cólera?

 

  -Bebendo água ou comendo alimentos contaminados com a bactéria. Em casos de epidemia, a fonte de contaminação é geralmente as fezes de uma pessoa infectada. Esta bactéria pode também sobreviver ao meio ambiente (rios de alta salinidade, etc. e comendo mariscos crus pode ser um meio de transmissão.
 
Como se pode prevenir a cólera?
 
-Beber somente água que foi fervida ou tratada com cloro ou iodo; outras bebidas que não oferecem perigo são o chá e o café (preparados com água fervida) e as bebidas carbonatadas e engarrafadas, SEM GELO.
 
-Comer somente alimentos perfeitamente cozidos e ainda quentes, ou frutas descascadas somente pela pessoa que as vai comer.
 
-evitar peixe e mariscos crus ou pouco cozidos
 
-evitar as saladas
 
-evitar as comidas e bebidas de vendedores ambulantes
 
Há alguma vacina para a cólera?
 
-Há uma vacina oral (OCV) para a cólera que se pode administrar a indivíduos com mais de 2 anos de idade (85%-90% efectiva por 6 meses, diminuindo a efectividade para 62% aos 12 meses.
 É administrada em duas doses separadas por 10-15 dias.
 
A cólera pode ser tratada?
 
-O tratamento mais importante é a hidratação: para casos ligeiros, a hidratação é oral (mistura de sais e açúcar condicionados que se combina com água);  para casos graves, deve-se utilizar soro por via intravenosa.
 Antibióticos podem encurtar a duração da doença mas não são tão importantes como a hidratação.

 

Cólera - Para profissionais de Saúde

Referência: Mandell: 1-Textbook of Infecious Diseases; 2-Medstudy;3-MKSAP-medical knowledge  self-assessment program.

 
A- Historial
   A Era moderna da cólera é caracterizada por 7 pandemias: as primeiras 6 ocorreram entre 1817 e 1923(Ásia, Europa e Américas). A transmissão da doença foi reconhecida Só depois das observações feitas por John Snow em Londres durante a pandemia de 1849; Reduziu a transmissão da cólera Através do bloqueio ao acesso de água contaminada por parte da população.
 
A sétima pandemia começou em 1961 e foi causada pelo biótipo El Tor of V.Cholerae O1 (Teve origem na Indonésia e espalhou-se por muitos continentes, incluindo África (Em 2001, dos 184311 casos reportados, 94% vieram de África).

 

 
B- Microbiologia
 
O vibrião da cólera (V.cholerae) é um bacilo gram negativo da família das Vibrionaceae, com um antigénio somático (O) e um antigénio flagelar (H). Somente os serogrupos O1 e O139 estão associados com as manifestações clínicas da cólera e as pandemias.
o vibrião é facilmente identificado através do microscópio (movimento caótico de grande número de organismos nas amostras de fezes). Os meios de cultura mais usados para isolar o vibrião das fezes são o thiosulfato citrate e o tellurite taurocholate. Mais recentemente, passou-se a poder usar o PCR (Polymerase Chain Reaction).
 
C- Fisiopatologia (Physiopathology)
 
O vibrião da cólera causa doença através da secreção de  duma enterotoxina que estimula a secreção de fluidos e electrólitos  pelo intestino delgado. Quando o meio de transmissão é a água, são precisas 10000 a 10000000 de bactérias para causar doença, mas quando é através da comida, são necessárias somente 100 a 10000 bactérias.
 
D- Epidemiologia
 
O vibrião da cólera vive em ambientes aquáticos; destes ambientes, o vibrião passa para o ser humano através da contaminação de água (canalizada ou da fonte) e da comida.
Uma outra forma de transmissão da cólera (além daquelas que abordamos no tópico para a população em geral) é a transmissão durante os funerais em África tocando os cadáveres não desinfectados, comendo arroz nos funerais, etc.

E- Manifestações Clínicas e Laboratoriais
 
A principal manifestação clínica da cólera é a produção de uma diarreia aquosa com vários graus de desidratação; devido à desidratação, os doentes têm cãibras, não urinam ou urinam pouco, olhos encovados, por vezes têm confusão mental.
As análises  laboratoriais mostram acidose metabólica, uremia, hemoconcentração e hiperglicemia.
 
F- Tratamento
 
Para casos ligeiros, a hidratação oral com soluções mencionados no capítulo anterior é suficiente.
Para casos delicados, a hidratação deve ser intravenosa (50 a 100ml/kg/hr de soro)
O doente só deve ter alta quando:

1- Capaz de beber por conta própria mais de 1 litro de fluido por hora;

2-Produzir mais de 40 ml de urine por hora;

3-Volume das fezes é menos de 400ml por hora.

 
Os antibióticos são secundários no tratamento da cólera; Nos casos delicados, podem reduzir a duração da infecção: doxiciclina (1 pílula de 300mg dose única); para grávidas, pode-se dar eritromicina.
 
G- Prevenção e Vacina
 
  -Recomenda-se ler informação para o público em geral no capítulo 2.
 
H- Diagnóstico Diferencial

 

Há um ditado aqui nos Estados Unidos que muitos professores de medicina gostam de referenciar: "QUANDO OUVIRES UM GALOPE NAS PRADARIAS AMERICANAS, NÃO PENSES EM ZEBRAS, PENSA EM CAVALOS".
O mesmo vai para a Guiné na altura da epidemia de cólera (se alguém se apresenta com diarreia, pensa em cólera); mas fora das epidemias, quando alguém se apresenta com diarreia, temos de pensar noutras causas:
 
DIARREIAS INFECCIOSAS AGUDAS
 
1-Enterotoxigênicas: produzem toxinas; não há sangue ou leucócitos nas fezes: CÓLERA e E.COLI enterotoxigênico.
 
2-Invasivas: Fezes com sangue, leucócitos, febre: CAMPYLOBACTER, SALMONELLA, SHIGELLA, E.COLI 0157:H7, CLOSTRIDIA, YERSINIA, GIARDIA, AMEBIASIS.
 
 
DIARREIA DO VIAJANTE (TRAVELLER'S DIARRHEA)
 
Para viajantes a países em vias de desenvolvimento, recomenda-se levar:
 
um agente anti-diarreia (exemplo loperamida) e antibióticos.
 
Para casos ligeiros de diarreia:

a)-fluidos;

b)-loperamida;

c)-ciprofloxacina: 750 mg(dose única); ou levofloxacina (500 mg dose única) ou ofloxacina (400 mg dose única).

 
Para casos mais graves: fluidos, loperamida e: ciprofloxacina: 500 mg duas vezes por dia (total de 3 dias); levofloxacina: 500 mg por dia por 3 dias; ofloxacina (300 mg duas vezes por dia, total de 3 dias).
 
Não administrar os antibióticos acima mencionados  a grávidas e crianças.
 

ESPAÇO PARA COMENTÁRIOS SOBRE A SAÚDE -- PARTICIPE!

PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO

www.didinho.org