Bubu Na Tchuto: Eminente o ‘Suicinato’?

Por: João Carlos Gomes*

João Carlos Gomes

 

gomesnyus@hotmail.com

 

10 de Agosto de 2008

 

 

Mais um ‘conto de fadas’ a dar início a um novo período de alta crise, num momento extremamente sensível para o futuro da Guiné-Bissau.

 

 

 

Mais um exemplo daquela relação conturbada entre Nino Vieira e

a Marinha de Guerra?

 

Nota: Dentro de momentos falaremos da definição deste novo termo, acabado de introduzir no dicionário político da Guiné-Bissau: o ‘Suicinato’. Alguns dos leitores se lembrarão daquela referência feita por este autor sobre o relacionamento difícil de Nino Vieira com os sucessivos comandantes e, outros altos oficiais, particularmente os de alta patente, da Marinha de Guerra Nacional, sector das Forças Armadas de que José Américo ‘Bubu’ Na Tchuto também é originário (ver artigo intitulado ‘Nino Vieira, A Governação, Os Militares, A Droga E, Só Agora... A Reconciliação Nacional - Uma Reflexão’ (particularmente, os parágrafos 45 a 48 e, 62), publicado a 27 de Julho de 2007, neste mesmo site.

 

1. Não há meios logísticos para combater o tráfico de droga no país, nem prisões para manter os indivíduos responsáveis. Aparecem duas aeronaves no Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira em Bissau, suspeitas de ter transportado um carregamento considerável de cocaína, proveniente da América do Sul, situação que deu origem a escaramuças entre polícias e militares, estes últimos decididos a impedir, a todo o custo, a revista dos aparelhos. Em seguida - medicamentos ou droga - os produtos desaparecem na escuridão de Bissau. Mantém-se o segredo dos deuses.

 

2. No entanto, enquanto se desenrolaram estes acontecimentos, um dos indivíduos há muito suspeito de facilitar, senão de controlar mesmo, o negócio de estupefacientes, acaba de ser preso - não pelo seu envolvimento e sustentação de uma situação que constitui a maior ameaça enfrentada pela República da Guiné-Bissau, desde a ‘Guerra Civil de 1998-1999’ - mas por uma alegada tentativa de golpe de Estado, contra o Presidente João Bernardo ‘Nino’ Vieira.

 

3. A aparente eficácia demonstrada pelos serviços de segurança do país, face a este último desenvolvimento na capital guineense vem, sem dúvida, confirmar certas afirmações feitas por este autor, há cerca de um ano, a propósito da seriedade e, do empenho do Presidente da República, no sentido de disponibilizar os meios necessários para combater o tráfico de droga. Golpe de Estado, ou não, o que ficou agora provado, é que, quando o que está em perigo são os interesses nacionais e o povo, os meios não existem. Mas, quando quem está em perigo é a pessoa de Nino Vieira, esses meios aparecem sempre (parágrafo 62, do artigo acima referido).

 

4. Naquilo que provaria ser uma ironia cruel do destino, será verdade que, o Presidente afirmou que os aviões suspeitos, agora detidos em Bissau, entraram no país sem a devida autorização? Será que se esquece o Presidente de como é que ele próprio entrou em Bissau, na altura do seu regresso do exílio, para participar na campanha que o levaria ao maior posto de liderança no país? Quem é que autorizou e, facilitou a sua entrada? Quem é que estabeleceu os critérios? Certamente que o Presidente guineense ja ouviu falar de: ‘liderança, através de exemplos.’

 

5. No entanto, a gravidade da situação actual não é apenas no tocante às acusações que pesam sobre ‘Bubu’ Na Tchuto, Comandante da Marinha de Guerra Nacional, tanto no que toca ao seu envolvimento com a droga ou, com o golpe de Estado, mas sim nas implicações políticas que decerto virão agravar o carácter já extremamente precário da situação político-militar do país.

 

 

O ‘Suicinato’ ou outro, ‘acontecimento não autorizado’, poderá ser activado.

 

6. Com o retorno à ’época dos golpes de Estado’; apenas porque Nino assim o afirmou; tendo em conta as experiências cruéis do passado em tais casos, e; no contexto político-jurídico actual, torna-se duma urgência capital que a comunidade internacional aja, o mais rápido possível, de forma a fazer com que o time de peritos internacionais - envolvidos nas investigações sobre os aviões e indivíduos acabados de apreender, sob suspeita de terem transportado droga - obtenha acesso imediato a ‘Bubo’ na Tchuto, antes que seja vítima de um possível ‘Suicinato’. Este termo é aqui definido como sendo um possível, ‘assassinato’, que, como mostra o passado não muito distante da Guiné-Bissau, seria disfarçado de ‘suicídio’, ou, outro ‘acontecimento’, levado a cabo com o objectivo de tentar impedir que as testemunhas prestem declarações sobre o que sabem, neste caso, quanto ao conteúdo dos aviões apreendidos.

 

7. O ‘timming’ ou seja, a coincidência - entre o momento da apreensão das aeronaves e, dos indivíduos envolvidos; das investigações em curso e; da alegada tentativa de golpe de Estado, encabeçada por nenhum outro que não seja um dos suspeitos principais de envolvimento no tráfico de droga, nunca antes culpado - é duma precisão extraordinária. E, claro está, como já se sabe, por “Razões de Estado”, é possível que ‘Bubu’ nunca venha a estar disponível para ser entrevistado por civis, no quadro das investigações actualmente em curso sobre o tráfico de droga.

 

8. Perante a situação actual de desmandos e ameaças, é imperativo lembrar igualmente a obrigação que o Estado tem de proteger aos que velam pelo cumprimento da justiça, incluindo figuras como a Ministra titular, o Procurador-Geral da República e, a Directora-Geral da Polícia Judiciária, os quais, por terem dado mostras de determinação, têm sido alvos de ameaças cobardes. Não menos importante é a protecção das testemunhas envolvidas no processo. Caso contrário, que tipo de precedentes estariam a ser criados?  

 

 

O alto custo do silêncio para o PAIGC, perante os desmandos passados de Nino Vieira.

 

9. Seja qual for a opinião do leitor quanto ao papel destes, recorde-se aqui apenas o facto de que, o Partido da Renovação Social (PRS) e, o seu líder, Kumba Ialá, surgiram na cena política nacional com uma força-avalanche, sobretudo, por causa da situação de injustiça e, dos assassinatos políticos de que muitos membros, incluindo figuras de destaque, da etnia balanta foram vítimas, durante o último mandato do Presidente Nino Vieira. Dentre estes, Paulo Correia, antigo Primeiro Vice-Presidente e, Viriato Pã, então Procurador-Geral da República. A dinâmica nascida de tal situação é pura e simplesmente um mecanismo de auto-protecção política da ala balanta que criou, infelizmente, polémicas e, divisões étnicas profundas que, são em grande parte responsáveis pelo caos experimentado no cenário político-militar guineense actual. 

 

10. Foi sem dúvida, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que pagou o maior preço por aquilo que resultou em realidade, numa divisão massiva do seu eleitorado tradicional mais fiel. Ou seja, os apuros políticos em que o PAIGC se vê mergulhado neste momento com o eleitorado, resultam directamente, do silêncio mórbido dos seus militantes, sobretudo da ala dirigente do Partido, que não se pronunciou, perante o número significativo de mortes injustificadas, dos membros da sua base étnica mais importante, que tiveram lugar, após a emergência do chamado Movimento Reajustador do 14 de Novembro de 1980, altura em que Nino Vieira assumiu o poder. 

 

 

Regresso aos velhos tempos?

 

11. Perante o cenário que se desenha no horizonte, as perguntas lógicas que se impõem seriam: quantos mais, militares ou civis, vão cair desta feita - um de cada vez, e, sem um processo legal transparente - culpados por associação, a tais processos de tentativas vãs e inglórias de golpe de Estado? Nas vésperas das próximas eleições, tendo em conta os pesados custos políticos até agora registados, pelo partido libertador, e, face às acções desestabilizadoras do Presidente, vão os militantes do PAIGC manter-se mais uma vez, calados? 

 

12. Se não forem tomadas medidas imediatas, o ‘Bubo’ - cadáver virá sem dúvida ser culpado, não só de ter tentado montar a intentona, mas também de o ter feito, para encobrir o ‘facto’ de que, era o único responsável por toda a situação de droga que, nos últimos anos, tem devastado o país. Não é por acaso que na cerimónia de tomada de posse, o Presidente Nino Vieira já afirmou ter encarregue ao novo Primeiro-ministro Carlos Correia de resolver a situação de droga. Diga-se de passagem que não se está a acusar a Carlos Correia aqui de assumir o papel de carrasco. Tanto quanto se sabe, ele pode ser lento nas suas tomadas de decisão; proferir discursos difíceis de entender, por causa da sua forma característica de falar, mas corrupção, nem pensar.

 

13. O problema é que, um possível ‘Suicinato’ de Bubo Na Tchuto vai levar a Guiné-Bissau de volta à situação político-militar, e étnica, que o país começou a viver a partir de 1986, logo após o assassinato de Paulo Correia e, dos outros que se lhe seguiram. É certo que, no caso deste, houve um julgamento pelo Tribunal Militar. Mas, perante os factos terá havido um processo legítimo?

 

14. Alguém devia investigar se, por exemplo, o cheque num montante aproximado de FF125,000.00 (cento e vinte e cinco mil francos franceses) - recebidos por um dos juízes que participaram no julgamento, João Soares, actualmente funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, como ‘empréstimo’ - chegou a ser pago de volta, ao banco que o emitiu. Também seria interessante averiguar-se quais as garantias apresentadas, assim como quem autorizou o ‘empréstimo’, e, a emissão do cheque em causa. 

 

15. O ex-juiz João Soares foi pessoalmente confrontado sobre este assunto, pelo autor desta peça, em Nova Iorque, na presença do agora, ex- Primeiro-ministro Faustino Imbali e, foram testemunhas de tal discussão, todos os membros da delegação que acompanhou o ex-Primeiro- ministro. Todos os presentes se lembrarão que, durante a conversa em questão, o autor mencionou apenas, um montante de “mais de cem mil francos franceses”, ao que, apanhado de surpresa, o então Encarregado de Negócios da Missão da Guiné-Bissau Junto das Nações Unidas ripostou: “Quem é que te informou que eu recebi um cheque de cento e vinte e cinco mil francos franceses?”.

 

16. Face à pergunta - resposta, extremamente reveladora, do diplomata João Soares, o autor lembrou-lhe, na presença de todos, que não tinha mencionado um montante preciso, facto que o próprio ex-juiz do Tribunal Militar que condenou Paulo Correia, ofereceu, involuntariamente. O autor desta peça avançou mais um último ponto ao diplomata. Se não era verdade que tinha recebido o dinheiro, como é que sabia do montante exacto do cheque (cento e vinte e cinco mil francos franceses) que ele próprio tinha embaraçadamente, acabado de precisar? Silêncio total.

 

17. Na altura, o autor lembrou ao ex- Primeiro-ministro Faustino Imbali que devia tomar nota dos factos que tinha acabado de presenciar, sobretudo, a parte revelada, espontaneamente. O incidente teve lugar imediatamente após a reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas que tinha acabado de se debruçar sobre a situação na Guiné-Bissau, a 29 de Novembro de 2000, exactamente no dia em que viria a ser anunciada, oficialmente, a morte de Ansumane Mané.

 

 

Qual a relevância desta experiência para a situação actual que se vive na Guiné-Bissau?

 

18. É importante notar aqui que, baseado nas informações a que o autor desta peça teve acesso, apesar do facto de que Paulo Correia foi condenado à morte pelo Tribunal Militar, conta-se que o então Presidente Nino Vieira ainda não tinha proferido o seu veredicto final, enquanto Primeiro Magistrado da Nação. A razão é simples. Aparentemente, o Presidente estava a avaliar, não só, o impacto político-militar da decisão, a nível nacional, mas também, a reacção da comunidade internacional, antes de fazer cumprir a pena de morte. Lembra-se que tinha havido, entre vários outros, uma intervenção do então, Presidente de Portugal, Mário Soares e, do Papa João Paulo II. 

 

19. Entretanto, segundo as mesmas fontes, por razões ligadas a ambições pessoais e, de carreira, alguém na hierarquia governamental decidiu mandar cumprir a sentença. Quando, face às reacções que estava a receber, tanto a nível interno como internacional, o Presidente Nino Vieira voltou a abordar a questão do Paulo Correia com o indivíduo em questão, foi informado de que: “No bibil dja udju” (termo crioulo, utilizado noutros tempos, no seio do PAIGC, como código para, ‘fuzilamento’). Claro que, para proteger a sua imagem, o Presidente podia ter tomado medidas punitivas para com o indivíduo em questão. Não o fez, aparentemente, por causa de dívidas políticas na forma de votos étnico-religiosos que tinha obtido com a ajuda deste.

 

20. Se a evidência da tentativa de golpe de Estado de que é agora acusado, obedece aos mesmos critérios observados no caso de Paulo Correia (e de Victor Saúde Maria) - fica aqui um aviso: num episódio que poderá revelar ser catastrófico para o futuro da Guiné-Bissau, tanto do ponto de vista político e étnico, como para os seus esforços na construção de um Estado de Direito, e, à semelhança de Lamine Sanhá, um dos seus antecessores de carreira – José Américo ‘Bubu’ Na Tchuto, Comandante da Marinha de Guerra Nacional, enfrenta neste momento, a possibilidade real dum mesmo fim. 

 

 

*Escritor/Jornalista

Nova Iorque

 


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