A hora do desespero  

 

Depois de várias peripécias, eis que se está a chegar por via normal à hora da verdade. Para quem continua a cultivar a arrogância, o desprezismo, a desconsideração e essencialmente a prepotência, como formas de governação, o desespero bateu à porta. O desespero bateu à porta de quem se habituou a utilizar os fundos do tesouro guineense para por exemplo: manter a cadeira do poder. O dinheiro (tal e qual um monte de areia)ao se gastar sem se repor chega ao dia em que acaba e não havendo nada para ninguém, o desespero apodera-se de tudo e de todos...Numa altura em que se diz e se contradiz relativamente às verbas disponibilizadas pela Comunidade Internacional para o cumprimento do processo eleitoral no país, assiste-se a manobras de engenharia financeira por parte de Kumba Yalá e do seu governo, de forma desesperante, pouco ética e, acima de tudo, ilícita, porquanto este governo de gestão está fora de prazo e foi constituído para:1-Criar condições para a realização de eleições legislativas.2-Encontrar soluções para o pagamento dos salários em atraso na função pública.3-Gestão de assuntos correntes e pontuais do Estado. A cinquenta e dois dias das eleições legislativas (trinta e quatro úteis), continuam os ordenados por pagar, o processo eleitoral...está como está...e o governo insiste em usurpar poderes de que não foi incumbido, o que terá consequências penalizantes para o executivo saído das eleições (acreditemos que haja), para a credibilidade do país e para a sua própria economia. Como é possível o país negociar contratos de licenciamentos de pesca, pedir adiantamentos dos fundos de compensação da União Europeia para o sector das pescas, negociar acordos bilaterais de cooperação, rescindir contratos (mesmo não sendo vantajosos)assumidos por governos anteriores e juridicamente sustentados? Que dizer da criação duma nova empresa de telecomunicações denominada Guinétel e o consequente lançamento dum concurso internacional para a implementação de redes móveis no país? Porque quer o governo, por exemplo, o aval do parlamento para a contracção dum empréstimo obrigacionista ao Banco Central dos Estados da África Ocidental? Para o pagamento de salários em atraso e...efectuar algumas obras...? A hora, repito, é de desespero, porque desta vez, Kadafi não enviou nenhuma mala preta com milhão de dólares lá dentro, porque tal como o monte de areia, o dinheiro proveniente de várias engenharias financeiras inoportunas, também chegou ao fim, estando as partes financiadoras na posse dos seus contratos e a Guiné-Bissau sem os proveitos desses acordos, porque foram canalizados para proveitos pessoais de quem manda e de quem garante a ditadura e a corrupção no país. Com este pedido de aval ao parlamento, o governo joga um " xeque- mate " à oposição guineense, senão vejamos: Havendo boa fé, este aval teria sido equacionado há muito tempo atrás, pois os salários em atraso remontam a anteriores governos do PRS (Partido da Renovação Social)no poder. O governo foi incumbido de solucionar os atrasos e, por conseguinte, estava legitimado para avançar e acelerar todo o processo, mas não o fez, como agora pretende, recorrendo à pressão aos parceiros económicos para adiantamentos de verbas contratuais, alegando dificuldades de vária ordem, incluindo o pagamento de salários. Conclusão, entrou dinheiro, mas foi repartido pela elite e os salários ficaram por pagar, porque ninguém presta contas a ninguém na Guiné-Bissau.

 

As promessas foram se sucedendo da parte do governo sempre que se assistia a greves na Função Pública, tendo havido algumas contrapartidas e mais nada...É um "xeque-mate" porque, em condições normais, assiste ao parlamento o direito a ser avalista do executivo, visto o governo ter sido incumbido da missão de solucionar os ordenados em atraso, mas, à luz da Constituição, o governo deixou de ser legítimo aquando do adiamento das eleições/pós noventa dias, sem se ter formado um governo de consenso que desse legalidade ao executivo nomeado por decreto. 

 

É um "xeque-mate" porque, se a oposição se desmarcar vetando o referido aval, por questões de coerência, logo aparecerá o governo a tirar dividendos eleitorais, justificando o não pagamento de salários por culpa da oposição que não avalizou o empréstimo. Nitidamente, a vantagem neste compromisso, está do lado do governo, porquanto se se concretizar o referido empréstimo, utilizará a influência do dinheiro para ganhar votos. Se não se concretizar, responsabilizará a oposição de não ter contribuído para a resolução do problema dos salários em atraso.

 

A hora é de desespero total, o que faz com que Kumba Yalá tenha que viajar à procura de dinheiro junto de presidentes de outros países africanos. Resta saber quem pagará a factura dessas deslocações ao Senegal e ao Gana para esse fim. Se o presidente pretendesse informar aos seus amigos, do andamento do processo eleitoral, seria necessário viajar até eles para lhes comunicar isso...? Claro que não, mas havendo garantias de apoio em dinheiro, quem melhor para o receber em mãos do que o próprio presidente...não fosse alguém desviá-lo ...?! 

 

A hora é de desespero porque os militares, sim os militares, já têm cinco meses de salários em atraso...não convém! 

 

A hora é de desespero, porque se está à espera que entre dinheiro prometido pela Comunidade Internacional para a realização do processo eleitoral, para se dar a "machadada final"...como alguém um dia disse, aquando da dissolução da Assembleia Nacional Popular. Lembra-se Dr. Kumba Yalá...?!

 

 

Fernando Casimiro (Didinho)

 

27. 08. 2003

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