Até sempre, “mais velho” Luís

Luís Cabral

 

António Martins Moreira *

10.08.2009

          Dr. António Martins MoreiraOuvi falar a primeira vez o Presidente Luís Cabral em Outubro ou Novembro de 1966.

          Era Aspirante a Oficial e frequentava, com cerca de 50 camaradas meus, o último curso, de 1966, de Operações Especiais (RANGER's) no C.I.O.E., em Lamego.

          Estávamos já mobilizados para a guerra colonial e fazíamos, um oficial por cada companhia operacional, este curso antes da partida.

          Como oficiais que já éramos e a frequentar e/ou iniciar cursos superiores, tínhamos já alguma consciência política pelo que nos interessava ouvir a Rádio Argel, entre outras, o que fazíamos com frequência e com as necessárias cautelas e prudente recato.

          Quem ouvíamos com mais atenção e com mais frequência era Amílcar Cabral, que repetia vezes sem conta que a sua luta não era contra o Povo Português, nem contra os seus soldados, mas sim contra o regime colonial que a todos oprimia.

          Exortava-nos a desertar e a que recusássemos andar aos tiros contra os nossos Irmãos Africanos. Era impressionante a forma apaixonada como defendia os seus ideais e a forma sincera e quase carinhosa como se nos dirigia, o que denotava uma invulgar personalidade, lúcida e fraternal, um carácter nobre e esclarecido, e um desejo inquebrantável e determinado de resgatar a dignidade do Povo Guineense e nos envolver a todos num gigantesco abraço fraterno.

          Aliás, tive a prova directa deste seu profundo Humanismo pela forma extremamente correcta e digna como tratou alguns soldados da minha unidade, que o PAIGC conseguiu capturar em combate, e que mais tarde viemos a resgatar das suas prisões, o que denotou, claramente, tratar-se de um Homem Superior.

          Por uma ou outra vez ouvimos também, naquelas audiências clandestinas e nocturnas de Lamego, a voz do seu Irmão Luís, seu companheiro fiel desde a primeira hora.

          Embarquei, com a minha unidade, para a Guiné em 08.Abril.1967, no “Ana Mafalda”, e desembarquei, de regresso, no mesmo cais, Rocha do Conde de Óbidos, do “Uige”, em 09.Março.1969, tendo combatido contra o P.A.I.G.C., como todos os outros, de armas na mão, nesses 23 meses.

          Neste mundo, e nesta vida cheia de imprevistos e surpresas, quis o Destino que, passados cerca de vinte anos, viesse a conhecer em Lisboa, no escritório de um grande Amigo e meu Colega, o Dr. Leonel Gaspar, que nos apresentou, o Presidente Luís Almeida Cabral, que vivia exilado no nosso país, concretamente em Miraflores, onde viveu até ao fim da sua vida.

          No mesmo encontro conheci também outra grande figura da luta de libertação de Angola, o meu saudoso Amigo e Colega, Dr. Gentil Ferreira Viana, um “histórico” do M.P.L.A., que toda a gente conheceu.

          Devo confessar que neste primeiro encontro experimentei várias sensações de espírito, que não conseguia compreender.

          Estava na presença de um antigo IN (inimigo) dos campos de batalha da Guiné, onde passei os dois piores anos da minha vida, mas ao mesmo tempo era para mim claro que a sua luta era legítima e que mais não fazia que a sua obrigação.

          No início de cada operação militar, ou de qualquer simples missão de rotina, debatíamo-nos sempre com um dilema terrível, que era o de por um lado a obrigação, que tínhamos, de obedecer aos nossos comandos hierárquicos legítimos, e por outro o de termos que virar as armas contra os nossos Irmãos Guineenses que, do outro lado, procuravam, legitimamente, conquistar a sua dignidade e a soberania para o seu Povo.

          Os contactos com o Presidente Luís Cabral passaram a ser frequentes e sistemáticos.

          Foi extraordinariamente fácil estabelecer com ele uma relação de amizade, que durou intacta e intensa até ao dia da sua morte, 30.05.2009.

          Passávamos tardes e noites a contar episódios vividos no teatro das operações, como actuavam os exércitos de um e de outro lado, quais os seus hábitos, êxitos e fracassos, agentes duplos, etc., etc.

          O Presidente Luís Cabral era um Homem encantador, adorava contar histórias, um Humanista como seu Irmão Amílcar.

          Era um Homem bom, sincero, autêntico, com sentimentos nobres.

          No círculo de Amigos que então construímos com o Leonel Gaspar, e o Gentil Viana, passámos a tratá-lo com enorme estima, carinho e respeito, por “mais velho” Luís. O tratamento por “mais velho” é um antigo hábito africano de reconhecimento, gratidão e respeito pelas pessoas mais idosas, das quais se colhe, genericamente, aconselhamento, sabedoria e apoio.

          Nas conversas que com ele mantive abordámos todos os assuntos, alguns bens incómodos, como o dos fuzilamentos, pós-independência, pelo P.A.I.G.C., dos ex-comandos africanos, que combateram nas nossas fileiras, e o do assassinato dos três Majores e um Alferes, em 1973, no Chão Manjaco.

          Foram situações que eu nunca consegui compreender, tendo o Presidente Cabral dado a explicação que entendeu adequada.

          Foi o primeiro Presidente da Guiné-Bissau, deposto por um golpe de Estado, em 14.11.1980, liderado pelo seu Ministro da Defesa, Nino Vieira, tendo-se exilado em Cuba, Cabo Verde e, mais tarde, sob os auspícios de outro grande Humanista e Patriota, o Presidente Ramalho Eanes, no nosso País.

          Deve ter sido dos poucos ex-chefes de Estado Africanos que viveu e morreu pobre, mas com um coração enorme, rico de sentimentos e humanismo, nunca tendo perdido a sua dignidade, a troco de qualquer preço, que conservou até ao fim.

          O seu funeral constituiu uma gigantesca e impressionante manifestação de pesar, dos seus familiares e centenas de amigos que quiseram dar-lhe um último adeus.

          O Presidente Ramalho Eanes rendeu-lhe sentida e singela homenagem proferindo o seu elogio fúnebre.

          Um grande abraço.

          Até sempre, Senhor Presidente.

    * Advogado; (Alferes Mil.º Inf.ª – C. Art.ª 1690 – Guiné 1967/1969)


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