Apelo do martirizado povo de Yênh!


 

Alberto Luís Quematcha

quematcha@gmail.com

09.01.2014

Alberto Luís QuematchaA população da tabanca de Yênh passou por momentos difíceis durante o processo da luta de libertação e durante os primeiros anos de independência. Agora, é em nome do projecto da central elétrica fotovoltaica da “ponta gartdete” (que gostaríamos que fosse implementado) que a população assiste a usurpação das suas terras. Ou seja, o terreno destinado à montagem da central fotovoltaica é poupado em detrimento dos terrenos dos cidadãos da tabanca de Yênh. O lançamento da montagem da central fotovoltaica foi feito no terreno da Granja de Prábis. Agora, o caterpillar derruba as plantações das populações e deixa as da granja.

Nós questionamos, o porquê disto? Qual é a intenção que norteia esta acção? É sabido que na nossa Constituição o Estado é o verdadeiro dono da terra. Pode expropriar a qualquer momento. Só que isto se faz segundo as regras e procedimentos de expropriação. O Estado não deve chegar ao terreno dum cidadão comum e começar a derrubar as plantações, sem uma comunicação prévia. Há todo um conjunto de procedimentos que devem ser cumpridos para depois actuar. Neste caso, como o Estado actua fora dos procedimentos normais, ou seja, actua fora daquilo que é permitido pela lei, podemos considerar que está na situação de abuso de poder.

O abuso do poder ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar um acto, ultrapassa os limites das suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas. Ao passo que os actos da Administração Pública devem estar revestidos de probidade, ou seja, deverão ser baseados nos princípios, como: a integridade de carácter, a honra e o brio.

Por isso, quando os agentes públicos agem em nome do Estado, devem tomar todas as providências necessárias. Mas isso não foi o caso. Em relação a esta tabanca o Estado tem cometido graves violações tanto no passado como no presente. A grande questão que é preciso responder é a seguinte: até quando vai continuar o martírio do povo de Yênh?

Aproveitamos desta ocasião para solicitar as pessoas de boa vontade no sentido de minimizar o sofrimento deste povo. Acreditamos que existem pessoas de boa-fé na gestão deste problema, mas não duvidamos também que existem pessoas de má-fé que querem tirar partido do mesmo. Segundo as informações que temos há pessoas, ligadas a administração de Prábis e pessoas próximos dos membros de governos, que já possuem terrenos neste espaço da granja para a construção das suas casas pessoais.

Nós os populares da tabanca de Yênh, gostaríamos de deixar claro o seguinte: esta terra nos custou vidas, riquezas, etc. Não se deve brincar com isso. Já chega.

Aceitamos, queremos e apoiamos qualquer projecto de fins públicos. Mas recusamos as manobras de enriquecimento por vias ilícitas. Muitas granjas na Guiné-Bissau já se transformaram em bairros habitacionais. A mesma coisa está a ser planeada para esta que ainda não está partilhada. As violações que estão a ser cometidas visam também criar custos para o Estado. Em vez de desmatarem nos terrenos da granja, desmatam nos terrenos dos populares, granjeando assim os eventuais custos de indemnização que serão assumidos pelo Estado ou pela empresa que irá operar no local.

Para a melhor compreensão da situação em que estamos a viver, nós populares da tabanca de Yênh, proponho o texto sobre o percurso histórico desta tabanca.

Percurso histórico da tabanca de Yênh

Yênh é uma tabanca localizada, aproximadamente, a 3km da Secção de Cumura, no Sector de Prábis. Segundo Sumba Nhaga e meu pai, a tabanca foi Fundada pelo Quematcha Djondé. Foi a primeira pessoa a habitar esta terra com a sua esposa, Bidissa N’Ganha, aproximadamente, nos anos 1940. Foi seguido do seu primo, Quibalé, nos anos 1945, aproximadamente. O Quebalé cultivava a zona onde está localizado o armazém da actual Granja de Prábis. O poço, que agora é atribuído à granja, foi construído pelo Quibalé.

Mais tarde, estes dois ocupantes foram seguidos do outro primo, chamado de Quió N’Dim, da morança de Ambundé. Este plantava cana sacarina nas zonas mais húmidas daquelas terras. Era empregado da Casa Gouveia, em Bissau.

Com o passar do tempo, os soldados portugueses vinham matar as vacas no largo do poço de Quebalé, depois de lhes tirar as peles, lavavam a carne com a água deste poço e depois transportavam a mesma para Bissau. Os soldados portugueses, mais tarde, araram um pedaço de terra e plantaram algumas plantas hortícolas. Segundo Sumba Nhaga a horta foi muito produtiva, o que incentivou os soldados a construírem um anexo nesse local. Neste anexo guardavam os seus materiais de trabalho (catanas, ancinhos, enxadões, pás, etc.). Após alguns anos, os soldados portugueses mandavam dois empregados (Quilódé e Simon), para trabalhar neste lugar. Estes vinham de Bissau, trabalhavam e regressavam. Vinham de manhã e regressavam ao meio dia à Bissau, um carro trazia-os e buscava-os. Com o passar dos anos, os portugueses colocaram dois guardas: Djaló e Galdé, este último está ainda vivo e reside em Cumura, perto do hospital. Foram estes guardas que semearam a maior parte de cajueiros da Granja de Prábis. Os dois guardas compravam esterco de coral nas mãos das populações, para a fertilização do solo onde praticavam a horticultura. Só depois é que começou a se verificar a presença de um senhor, denominado de Fonseca (Cabo-verdiano), ele vinha trabalhar e, à tarde, regressava à Bissau. Fonseca estava casado com uma mulher manjaca, de nome Helena.

No prelúdio da guerra de libertação, as autoridades portuguesas ordenaram à aglomeração das casas num só sítio, para maior controlo. Nenhuma casa podia estar dispersa. Cada dia, todas as manhãs, os soldados portugueses iam contar as pessoas nas famílias.

No início da guerra de libertação, os populares da área do Sector de Prábis eram obrigados a sair pela estrada, abandonando as suas tabancas. Esta ordem foi dada pelo Sr. Guerra Ribeiro. Ele ordenou à saída dos populares desta localidade, para residir na estrada, para o efeito do maior controlo. Os carros armados patrulhavam a tabanca durante a noite com os holofocos. Portanto, era no ano de 1967. Todavia, os populares da tabanca de Yênh iam trabalhar nos campos da sua antiga aldeia como de costume e regressavam no fim do dia para a nova localidade de habitação. O povo habitou próximo da estrada, durante 8 anos.  

Com esta retirada da população, o Sr. Fonseca (Cabo-verdiano) aproveitou para aumentar a área do terreno da actual Granja, anexando uma parte das terras das populações. 

No ano de 1974, o PAIGC alcançou o poder e anunciou a liberdade. O Sr. Mamadu Dabó, o então administrador do Sector de Prábis, disse ao povo de Yênh que podia voltar a ocupar as suas terras.

Na sequência disso, foi anunciada a liberdade de cada cidadão que pretendia voltar e estabelecer-se na sua antiga zona de residência, que o podia fazer. Na altura, no ano 1977, muitos habitantes da tabanca de Yênh voltaram para a sua antiga zona de residência e uma minoria ficou pela estrada. Tantas outras populações, como os de Naguê, Óco, etc. regressaram para as antigas zonas de residência.  

O regresso do povo de Yênh, segundo Sumba Nhaga, não agradou o falecido Marcos da Cunha. Segundo um escrito deixado pelo meu pai, ele matava com espingarda qualquer animal dos populares que ia perto da granja. As vezes, ele chegava a matar seis (6), até oito (8) vacas por dia. Vendia a carne das mesmas e dinheiro ficava para si. No ano de 1986 este senhor buscou e conseguiu, através de meios violentos, a segunda retirada dos populares de Yênh desta zona de residência.

As mulheres desta tabanca que iam apanhar “djadjua” eram aprisionadas no armazém de fertilizantes e agrotóxicos agrícolas e palmatoriadas pelo Sr. Duarte. 

O cenário da retirada dos populares foi muito triste. Primeiro, este senhor mandou fazer a avaliação das casas dos populares e não das plantas. Convocou uma reunião na área de Cumura-2, isto é, na granja palestiniana de Prábis. Ali as pessoas foram entregues um pouco de dinheiro na forma de indemnização. Unanimemente, as pessoas recusaram de receber tal dinheiro porque era pouco. Então, ele e os titulares da autoridade do Estado da região e do sector usaram a violência.

As pessoas foram ordenadas a abandonarem a aldeia. Muitas pessoas, nesse dia, foram parar nas cadeias de Quinhamel (sede regional) e nas de Bissau. Segundo o escrito, os dirigentes que realizaram esta acção são: Sr. Tiago Aleluia Lopes, Sr. Carlos Correia e Sr. Francis Sifna, o então governador da região de Biombo. Segundo o meu tio, Sumba Nhaga, estes senhores disseram que esta ordem foi dada pelo então Presidente da República, João Bernardo Vieira.

Muitas pessoas foram espancadas fortemente. Por conseguinte, alguns não conseguiram aguentar e não viveram por muito tempo. A população sofreu muito. Vinte e sete (27) casas foram incendiadas e trinta e três (33) foram derrubadas com tractor. No total, foram destruídas sessenta (60) casas. Neste incêndio, foram queimados os víveres (arroz, diferentes variedades de milho, amendoim, fundo, feijão, etc.) e animais das populações (galinhas, porcos, cabras, vacas e alguns cães). Foi no ano 1988. Segundo Sumba Nhaga, meu tio, ainda vivente, o senhor Marcos da Cunha ficou muito contente com o tal acontecimento.

A população de Yênh entrou na miséria, viveu muitos anos de fome. Havia aborrecimento e muita canseira na vida dos populares. Todos foram obrigados a abandonar a tabanca. O número de habitantes era de 366 pessoas. Isso foi nos anos de 1988 a 1994. Durante seis anos, o Sr. Marcos da Cunha explorou mangueiros, cajueiros e cultivou as terras dos populares para o próprio proveito.

Em Março de 1994, na ocasião da visita da Sua Excia. Presidente da República, João Bernardo Vieira, ao Sector de Prábis, o povo de Yênh, através do seu porta-voz, Sr. Sumba Nhaga apresentou a sua preocupação a este. Na ocasião, segundo o porta-voz, o Senhor Tiago Aleluia Lopes recusou, dizendo que não estava na altura do massacre. Mas Sumba Nhaga insistia tanto. E então, Sua Excelência ex-Presidente disse: «os povos devem ser entregues as suas plantações e terras», pediu que o Sr. Sumba fosse ter com ele na presidência. Segundo o escrito, a partir daí o Senhor Marcos da Cunha não se sentiu satisfeito. 

Segundo esta história vê-se claramente que a população, naturalmente, habitava a zona antes da instalação da granja. Apresentei-a para proporcionar maior informação e esclarecimento sobre o assunto. Porque há perigosos rumores que circulam, desinformando no sentido contrário.

Ambiguidade ou confusão entre Yênh e a ponta do sr. Gardete.

Gostaria de contribuir no esclarecimento sobre a localização da Granja de Prábis e a da Ponta Gardete. Muitas pessoas confundem estas duas localidades. Mesmo os titulares da autoridade de Estado as confundem. Diz-se “granja de gardete,” para referir a Granja de Prábis. Mas o nome oficial desta granja é: Granja de Prábis. No entanto, a granja não está localizada em Gardete e nem em Prábis, mas sim na tabanca de Yênh, para quem conhece bem as divisões que lá existem sabe que a referida granja não está na Ponta Gardete. 

Gardete é o nome de um senhor da nacionalidade portuguesa. Ele era comerciante. Comprava amendoim, coconote, etc. nas mãos das populações para exportar. Mais tarde, construiu o armazém de adobe (bloco de barro) que agora pertence ao Sr. Emanuel dos Santos (Vulgo Manel Tuga). Quando começou a guerra de libertação, o Sr. Gardete foi-se embora, ficando o seu sobrinho, de nome Armando, que persistiu durante todo o período da guerra. No fim da guerra, este foi também para Portugal. O armazém e as plantações foram apropriados pelo Sr. Cruz Pinto, do PAIGC, depois, pelo Sr. Raimundo, que depois o vendeu ao Sr. Emanuel dos Santos (actual proprietário da ponta que a utiliza, neste momento, para as edificações). É, exactamente, este espaço que pertencia ao senhor Gardete. Deste lugar para onde está localizada a granja tem uma distância aproximadamente de 1km e a granja está localizada na tabanca de yênh, o espaço em questão. A Ponta Gardete é um pequeno território de alguns hectares. Pra esclarecer, só.

Bom ano 2014 para todos os obreiros duma Guiné justa e transparente!

Alberto Luís Quematcha.

 

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