A nossa Quimera

 

 

 

Por: Francelino Alfa

11.04.2008

Quando acordo de manhã, vejo a ilha cheia de gente, num frenesim. Gente que deambula de um lado para outro, de cima para baixo e da esquerda para a direita. Nos rostos desta gente, vejo a dor, a mágoa e o sofrimento do dia-a-dia; gritam baixinho, ou melhor, sofrem mais do que gritam e, com desabafos, denunciam os pesados sacrifícios impostos, mantendo todavia, um olhar sonhador. O arquipélago é de uma paisagem prodigiosa, formado por quatro ilhas: uma ao norte, onde habitam os que não “ouvem”, outra a leste onde vivem os que não “falam”; na parte sul, residem os que não “vêem” e na do centro, coabitam todas estas pessoas, cujo lugar, concentra a massa crítica. O arquipélago é de cor verde – cor da esperança, e com vários rios e ribeiras. Posso ir à pesca e, também, caçar animais selvagens; há muitas árvores de fruto. Estendo a mão para apanhar um e mata-me a fome. Não preciso de mais nada...

A ilha do centro, a minha ilha, a mais problemática, porém, a mais famosa, é a ilha maravilhosa onde toda a gente quer viver visto ser aquela que oferece melhores condições de vida e da qual mais rapidamente se pode descobrir o saco azul. À volta desta “mina de ouro”, só alguns enchem os seus bolsos. A minha ilha é habitada pela maioria dos habitantes do arquipélago, sempre muito ocupados, onde a vida é mais agitada. Esta ilha tem ainda três pequenas ilhas, ligadas umas às outras por pequenas pontes onde a presença de majestosos palácios dos príncipes, reis e rainhas é notória e evidente, e com zonas ciosamente reservadas à corte e à clique. O sonho é arrebatador! Vê-se gente que nasceu rica, com saúde e amor, com elevado poder de compra e alto índice de consumo; não querem misturas; vestem roupas sumptuosas, andam de carros topo de gama e usam telemóveis de 3ª geração – conhecidos no burgo por G3 – e não param de mandar.

A minha ilha tem como cartão de visita a crónica falta de água e luz eléctrica, mas a cidade não dorme devido ao barulho dos geradores eléctricos dos seus habitantes, do barulho dos seus imponentes carros e das suas belas discotecas e belos clubes nocturnos; vê-se muita juventude. Aqui, as mulheres arranjam bons maridos; os jovens podem encontrar trabalho e prosseguir os seus estudos, cruzar com “camones”, na esperança de encontrar um “helping hand” e zarpar da ilha. Este lado mundano com o seu encanto e maravilha seduz e atrai não só os naturais como os forasteiros, bem como bastantes marginais de outras paragens.  

A minha ilha tem partidos, políticos e militares com fartura que concorrem para o mesmo objectivo, consubstanciando um triângulo de fogo.

Para variar, vejo o cortejo de dirigentes partidários, de várias tendências e ideologias, a andarem num corrupio, anunciando através de comícios, das rádios e da televisão a chegada do paraíso. E nas tardes, ao cair da noite, ao passear pela ilha, sento-me à beira-mar para desfrutar da brisa e do esplendor do pôr-do-sol e deleitar-me com a sua paisagem fascinante, o vento traz-me as gargalhadas sinceras das crianças a brincar com inocência das suas vidas e parecem felizes. E eu fico feliz também com esperança de que serão elas o futuro, a mudança positiva que a ilha reclama.

Vejo as nossas mães, irmãs e mulheres na lida para conseguir o sustento para a família e os filhos; vejo a juventude discutir animadamente futebol; falam dos futebolistas da terra que estão a dar cartas na Europa e alguns dizem que Manchester United é a melhor equipa da Europa e uma das melhores do mundo, sendo Cristiano Ronaldo o melhor futebolista da actualidade. Falam da música, dos talentos nacionais e dos que se encontram na diáspora; não falam de política, dizem eles que não vêem realizações – como eu não as vejo –, e que estão fartos dos políticos e não acreditam neles; pessoas qualificadas vêem-se em fuga pela falta de perspectivas e porque está muito difícil manter uma vida digna. Sobrevivemos cercados pela roda das carências que nos afectam e, reduzidos na expressão da nossa cidadania, somos cada vez menos ouvidos pelos poderes públicos.

O ciclo repete-se: eleições legislativas marcadas para Novembro próximo.

A minha ilha parece um bom sítio para virar as costas ao mundo, pois vemos invariavelmente o barco do paraíso, a passar à frente do nosso nariz, sem atracar no porto. Não podendo fugir para o tal paraíso – que nos prometeram/prometem e que nunca mais chega, porquanto as palavras de ordem escondem sempre o lado obscuro e tenebroso: poder e saco azul –, continuamos a pagar a factura... que nos condena à desilusão e à miséria.

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