A MORTE ANUNCIADA DA GUINÉ-TELECOM

 

Por: Ussumane Seidi *

05.08.2007

 

Nos últimos dias os guineenses foram surpreendidos com as tristes notícias sobre o eventual fecho da empresa luso-guineense, Guiné-Telecom, com motivos ridículos senão vergonhosos aos olhos de quem entende do assunto. A tese é de que o Estado Guineense deve à empresa trinta milhões de euros.

Devo relembrar que o denunciado publicamente ou melhor, o Estado da Guiné-Bissau é accionista maioritário na rede fixa (50%), segundo na rede móvel (40%) e membro de ambos os conselhos de administração. A sublinhar também que o Estado guineense não tem poderes de gestão em nenhumas destas empresas mesmo naquela em que a sua participação é maioritária.

Acredito que a empresa pode fechar mantendo-se o estado deplorável e ineficiente em termos operacionais e estratégicos para enfrentar a concorrência instalada na Guiné. Trazer a dívida do Estado como argumento de falência da Guiné-Telecom não podia deixar-me indiferente uma vez que esse argumento tem por objectivo ocultar as verdadeiras razões da situação a que chegou a maior operadora das telecomunicações do país.

Fiz um estudo em 2006, aquando da minha curta estadia em Bissau, alertei alguns directores nacionais da empresa sobre o colapso eminente nesta organização se nada fosse feito, como é óbvio. No referido estudo concluí que com a entrada da operadora de rede móvel ARREBA,  a Guiné-Telecom perdia mensalmente 15 assinantes (em média) do seu parque telefónico e 85 assinantes (em média) da sua lista de espera.

Para se ter uma ideia de quão ineficiente é esta empresa e compreender as verdadeiras razões daquilo que está por detrás de tanto barulho por parte dos inocentes sindicalistas que procuram dar o seus melhor, mas de forma totalmente cega, apresento aqui, aquilo que pode ser a ponta do iceberg dos problemas da empresa luso-guineense de telecomunicações.

O parque telefónico representa os serviços de telecomunicações (telefones fixos) oferecidos pela empresa e efectivamente em funcionamento ou os telefones em uso. A lista de espera são outros tantos que desejam usufruir do mesmo serviço mas que não o conseguem, sendo que, só a empresa pode explicar o porquê, visto manter o enorme volume da lista de espera (em média 50% do parque telefónico). Uma coisa é certa: a empresa não se apetrechou de infra-estruturas capazes para enfrentar um ambiente concorrencial e dar resposta à procura que lhe é dirigida.

Também  se pode verificar que, com a entrada da ARREBA (finais de 2004), quer a estrutura do parque quer a da lista de espera caem.

O parque cai para níveis abaixo de 10000 telefones e seguidamente tem uma ligeira recuperação graças ao recurso da lista de espera. A partir daquele período nunca mais a Guiné-Telecom foi o que era. Era o princípio do fim da época dourada desta operadora.

A queda da lista foi mais acentuada porque além de servir de “tapa buracos” na estrutura do parque, muitos preferiram a nova operadora. Até Novembro de 2004, a lista de espera situava-se em 6000 potenciais clientes para a Guiné-Telecom. É visível, no gráfico, a quebra brusca para valores abaixo de 4000 e nos finais de 2005, para níveis abaixo de 2500. Níveis muito assustadores para qualquer administração se considerarmos que esta operadora tinha uma carteira de lista de espera elevadíssima.

Tinha previsto também, no referido estudo, que quatro anos seriam suficientes para que a lista de espera se esvaziasse totalmente, mantendo a situação vigente em 2006. Esse cenário alterou-se completamente com a entrada do terceiro operador (ORANGE) no mercado das telecomunicações na Guiné-Bissau cujas consequências imediatas se repercutiram na Guiné-Telecom que já sentia dificuldades com a ARREBA.

É neste contexto que assistimos o barulho dos últimos dias na Guiné-Telecom. É nestas ocasiões também, que nos lembramos de quem nos deve.

O Estado da Guiné sempre foi devedor, aliás se compararmos a despesa do Estado dos anos 80 e dos dias de hoje podemos afirmar que melhorou significativamente. Portanto as referidas dívidas são dívidas acumuladas ano após ano e ninguém fez barulho na época em que essa dívida provavelmente tinha maior peso. Porquê?

A razão é simples: a Guiné-Telecom detinha o monopólio das telecomunicações, as receitas eram garantidas de qualquer forma, ainda que o Estado Guineense representasse um fardo enorme nas contas da empresa. Esta é a verdade. Outras razões, não menos importantes a sublinhar, são, por exemplo,  as estratégias nas parcerias que deixaram o Estado da Guiné com 50% na rede fixa, em queda tendencial, enquanto que na rede móvel, sistema do futuro, aparece como accionista minoritário como que empurrando-o para passageiro clandestino “da joint venture” estabelecida, pois o Estado só assiste, não toma decisões e não define políticas para o sector que vão ao encontro do desenvolvimento do país e da política sub-regional para as telecomunicações.

Não estou a dizer que o Estado não deve pagar as suas dívidas, mas sim, mostrar o outro lado da questão. A mais importante. Aquela que o barulho não mostra. Para ser sincero não vejo o Estado da Guiné a pagar essa dívida a curto prazo, quando não consegue pagar os salários dos trabalhadores da função pública, cujos efeitos podem ameaçar a paz e a estabilidade social do país.

Argumentos desses, visando na praça pública o parceiro da joint-venture, só conduzem a uma conclusão: vale mais sairmos honrados de que sermos humilhados pelas regras do mercado concorrencial, pondo a descoberto a nossa má política de gestão e a nossa incapacidade de investir para expandir, pois só sabemos gerir nas condições de monopólio e nada mais. Daí que surge a dívida do Estado como a causa de todos os males e como se este fosse o seu único cliente.

Devemos estar atentos com certas histórias mal contadas na nossa Guiné. Aqueles que conseguem decifrar as mensagens contidas nestas histórias devem ajudar os menos entendidos, passando-lhes as mensagens decifradas para melhor compreensão e fazerem delas os juízos que entenderem. Por isso, aqui vai a mensagem decifrada, prometendo trazer mais caso assim se justifique.

*Licenciado em Economia - ISEG

Ex-Técnico de Comutação Telefónica

 

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