A MESTIÇAGEM, OU O VERDADEIRO CONCEITO DO QUE VENHO DEFININDO COMO A GLOBALIZAÇÃO NA VERTENTE HUMANA

 

 

 

Ema Gomes da FonsecaManuel D´Andrade Casimiro (Tutú)Ema Gomes da FonsecaManuel D´Andrade Casimiro (Tutú)

Ema Gomes da Fonseca e Manuel D´Andrade Casimiro - os meus pais, de quem muito me orgulho, ambos nascidos na Guiné-Bissau e frutos da mestiçagem oriunda da Guiné-Bissau, de Cabo Verde, Cabinda e Portugal.

 

Fernando Casimiro (Didinho)

didinho@sapo.pt

31.01.2009

Margarida Castro, uma amiga lusófona, do Brasil, ela que tal como eu e muitos outros, tem dado muito de si na divulgação de realidades e experiências lusófonas e não só, tocou-me bem no fundo, com uma pequena, mas deveras importante mensagem, a qual não podia deixar sem resposta, sob pena de contribuir para a sustentação da ignorância e dos falsos juízos que os equívocos de uma imaginação parada no tempo ainda permitem constatar nos dias de hoje e, por muitos mais anos, caso continuemos a fazer juízos de conveniência atribuindo para situações idênticas designações diferentes, no intuito de superiorizar o quê de quem, quando todos não somos mais do que seres humanos, da mesma raça (humana), cidadãos de um mundo que a todos pertence e ao qual cada um deve dar o seu melhor.

 

Falar das minhas origens é, naturalmente, situar-me no Mundo em geral e na Guiné-Bissau em particular. O Mundo de que faz parte a Guiné-Bissau, terra onde nasci, onde os meus pais também nasceram, assim como os meus irmãos dessa relação entre os meus pais.

Sinceramente nunca me revi no lote dos que exigem sequências de gerações, apelidadas de genuinamente guineenses, como forma de caracterização, distinção e afirmação do homem/mulher guineenses.

 

Talvez por conhecer, ainda que em certa medida, as minhas origens e por saber que desde sempre o Homem e a Mulher, numa alusão aos seus múltiplos direitos e liberdades naturais, entre eles o de amar/relacionar, e outro não menos importante, o de poderem deslocar por um "Mundo sem fronteiras" (são estas liberdades que me refiro nesta abordagem, por serem a essência da Globalização na sua vertente humana), nunca fui influenciado, rigidamente, na adopção de uma cultura de unicidade, até porque, quem conhece a História da Guiné-Bissau - a formação e composição dos diversos grupos populacionais, sabe que a definição da identidade guineense é sustentada precisamente pela sua variedade étnica e, consequentemente, cultural. É esse mosaico que torna a Guiné-Bissau um país complexo na aceitação de uns e outros como partes iguais de um todo que define a identidade guineense, e é igualmente essa diversidade étnico-cultural, numa abrangência caracterizadora do património humano do país, a sua maior riqueza e referência perante o Mundo.

 

Antes mesmo  da colonização portuguesa que permitiu a expansão das raízes da mestiçagem na Guiné-Bissau (numa outra perspectiva de referência - a tonalidade da cor da pele), já havia misturas "locais", fruto das deslocações de pessoas da Guiné para outros espaços e vice-versa, até porque fizemos parte de impérios regionais abrangentes e extensivos.

 

É correcto concluir que a mestiçagem da Guiné-Bissau, numa abordagem realista, não se resume unicamente à cor da pele, mas também, aos traços culturais que as mutações de povos distintos da e para a Guiné, possibilitaram.

 

A colonização, que permitiu uma outra referência experimental na definição da mestiçagem, acabou por criar através do resultado da relação, de então, entre brancos e negras uma oportunidade de distanciamento na afirmação do valor do Homem branco comparativamente ao negro, que seria o último da "lista", pois em primeiro lugar estava o branco, depois o mestiço da relação branco/negra e só depois, o considerado negro genuíno.

 

As consequências de uma tal divisão ainda hoje são visíveis, pois há quem continue a ver os efeitos da mestiçagem - numa relação com a cor da pele - como a "continuidade"  da superioridade,  numa repescagem da memória ao suporte que o colonialismo adoptou durante longos anos para situar o branco num patamar onde  o negro para chegar a ele teria que passar primeiro pelo mestiço, que à partida era um elemento de maior confiança do branco, por considerá-lo, em certa medida, parte dele também.

 

Amilcar Cabral foi, até hoje, o único líder capaz de alertar e mobilizar a consciência guineense, bem como a cabo-verdiana, para o realismo da formação da identidade global deste dois povos irmanados por laços de sangue que a História regista e documenta nas várias similitudes dos muitos caracteres identitários de ambos.

 

Unidade e Luta, uma teoria praticada durante a mobilização e durante todo o percurso da luta armada de libertação nacional da Guiné e de Cabo Verde foi sabiamente arquitectada por Amilcar Cabral numa visão histórica da constituição identitária dos povos da Guiné e de Cabo Verde. Cabral tomou em conta todas as diversidades e diferenças, mas sabia que, uma gestão inteligente das diversidades e das diferenças constituiria uma FORÇA POSITIVA GLOBAL, para um dos maiores desafios dos povos da Guiné e de Cabo Verde. Foi com base no espírito da Unidade e Luta que se fez, até hoje, a única gestão inteligente da mestiçagem na Guiné e em Cabo Verde (a libertação do jugo colonial)!

 

Amilcar Cabral soube fazer superar nuns e noutros quer o complexo de superioridade, quer o de inferioridade, pela referência da cor da pele (promovidos pela estratégia colonialista), como ainda fomentou positivamente a igualdade entre os sexos e o respeito pelas religiões de cada um.

 

Não há melhor momento, do que este, movido pela "Moda Obama", para partilhar, não só com a Margarida Castro e o Grupo Diálogos Lusófonos de que ela faz parte e no qual tem divulgado muito da nossa Guiné-Bissau, mas também, com todos os que de uma forma ou de outra precisam ou devem reapreciar o conceito da mestiçagem, numa referência humana global que é o ser humano e não num contexto particular que advém da relação de 2 seres humanos, masculino e feminino em que a tonalidade da cor da pele, o tipo de cabelo, a forma do nariz, da boca etc. constituem referências de realce na identificação das pessoas.

 

É certo que olhando cada um para cada qual, sabemos que estamos perante um (a) branco (a) /negro (a) /amarelo (a) /pele vermelha etc. etc. tal como se discrimina um pouco por todo o mundo. Ninguém fica de fora nestas constatações, com que teremos que viver enquanto humanos, mas o que realça negativamente nestas constatações é que se sobrepõe a cor da pele à própria definição do ser humano numa alusão à sua identidade, independentemente do espaço onde lhe calhou nascer.

 

Começando pelo exemplo Obama, vemos que há uma ausência de realismo na aceitação de uma definição humana global para caracterizar a pessoa que é Barack Obama. Entre considerá-lo um negro ou um mestiço, confundem-se as teses que definem o conceito de mestiço, tanto por brancos como por negros.

Obama, para além da esperança, é também um sinal da globalização na vertente humana e é nele, por tudo o que o rodeia neste momento, que brancos e negros ou brancas e negras devem perceber que, a cor dele, que o faz ser caracterizado de negro por uns e mestiço por outros, é a união, a relação de 2 seres humanos, neste caso, um negro, africano e uma branca, americana.

 

Como podemos tomar partido do fruto de uma união; de uma relação, quando essa relação é feita da mistura de 2 seres humanos originários do planeta Terra, mas de regiões geográficas distintas com as particularidades que se conhecem na definição/caracterização de um negro/negra genuíno (a) e de um branco/branca genuíno (a)?

 

Por que será que os africanos regozijam-se mais do que os europeus ou americanos brancos na valorização de Obama como um dos seus filhos, quando Obama não é fruto de uma união/relação unicamente negra, pois se o fosse, ainda que nos Estados Unidos, seria sempre relacionada com raízes africanas dos séculos da escravatura e aí, até poderia ser aceitável essa reivindicação?

 

Obama não será, no entanto, a referência ideal para o debate sobre o conceito de mestiço que se tem em África.

Se nos Estados Unidos não existe o meio termo entre o branco e o negro, em África existe um meio termo para distinguir a tonalidade da cor da pele característica de uma união/relação de povos africanos com povos de proveniência geográfica distinta, ainda que, muitas vezes essas uniões/relações sejam entre povos africanos de países diferentes.

 

Creio que o conceito de GLOBALIZAÇÃO na sua vertente humana será de uma importância extrema para a sensibilização, para a elucidação dos povos de todo o mundo sobre o que realmente nos faz iguais; ou seja, o facto de sermos humanos, bem como o que nos faz ser diferentes: identificarmo-nos pela nossa fisionomia.

 

Tomando a Guiné-Bissau como exemplo e tendo em conta as liberdades naturais de que falei no início deste trabalho (amar/relacionar e deslocar) , facilmente constataremos que a mestiçagem afinal é um percurso natural que ninguém poderá rejeitar nem inverter pois foi plantada com sucesso e tem dado frutos, também com sucesso, em todos os cantos do planeta terra.

 

Vejamos a Guiné-Bissau do pós-independência aos dias de hoje.

 

Quantos estudantes, eles e elas, guineenses, saíram da Guiné-Bissau para se formarem no estrangeiro e resolveram, através de uma relação de mestiçagem, gerar filhos, que, em boa verdade são mestiços?

Quantos guineenses trabalhadores no estrangeiro resolveram relacionar-se com outros povos, gerando filhos mestiços dessa relação?

Quantos cidadãos de outros pontos do Mundo não tiveram a mesma experiência com guineenses, eles e elas, na própria Guiné-Bissau?

Vamos continuar a diferenciar os frutos de todas estas relações, cada vez em maior número?

Vamos continuar a desprezar os valores do capital humano que a mestiçagem destinou como sendo guineenses e seus descendentes?

 

Claro que não!

 

Haverá algum guineense capaz de explicar por que é que se define mais guineense de que outro, numa alusão às diferenças da cor da pele?

Há quem diga que o Didinho não é guineense puro, simplesmente porque o Didinho é incómodo, pois obviamente, não é pela minha cor da pele, visto haver muitos guineenses mais claros do que eu, numa referência à cor da pele e a quem ninguém faz referência nesse sentido.

 

Não há espaço para outra caracterização que não a de guineense, a todos os que nasceram na Guiné!

Não devemos também, negar a nenhum descendente de guineenses, onde quer que esteja, seja qual for a tonalidade da sua cor da pele, o direito de adopção da dupla nacionalidade, ou desmotivar o seu sentimento e espírito patriótico em relação à Guiné-Bissau, terra das suas raízes, independentemente de ser filho de pai ou mãe guineenses!

Devemos motivá-los, aproximá-los às nossas origens, à nossa terra, pois tal como o exemplo Obama, daqui a alguns anos também surgirão valores no espaço internacional cujas raízes poderão ser referentes à Guiné-Bissau e, se os discriminarmos hoje, tal como se fazia ontem, estaremos a sonegar a participação e afirmação da Guiné-Bissau no Mundo Global!

 

Mas para aqueles que continuam a sofrer de complexos de superioridade ou de inferioridade recalcados (em função da cor da pele) , digo que é vergonhoso um país como a Guiné-Bissau tê-los como filhos.

 

Olhemo-nos olhos nos olhos, da cabeça aos pés, vejamos a nossa sociedade:

 

Amilcar Cabral, o fundador da nossa nacionalidade guineense era mestiço!

 

Não vou referenciar mais nomes, porque seria uma lista infindável, mas pergunto:

 

Quantos cidadãos comuns, músicos, escritores, desportistas, políticos, militares, médicos, engenheiros, advogados etc. etc. guineenses, não são mestiços?

 

Já me senti mais preocupado pela tendência divisionista da manipulação política em relação ao conceito de mestiçagem. O Mundo, através da mestiçagem tem estado a receber sinais "divinos" do que suposta e correctamente deve ser a definição única de homens e mulheres, ou seja: SERES HUMANOS!

 

Nos dias de hoje só a conveniência política se serve da mestiçagem para diferenciar os guineenses. A mesma conveniência da classe política que continua a ter 2 definições para situações idênticas, porquanto, na verdade, de uma forma ou de outra, todos somos seres humanos, guineenses e mestiços (as)!

Olhando-nos ao espelho acabaremos por nos conhecer melhor, a cada dia que o fizermos...

 

Vamos continuar a trabalhar!

 

GLOBALIZAÇÃO: A VERTENTE HUMANA 25.11.2007

 

Didinho,

Desculpe  a minha conversa, excessivamente franca,  a seguir. Se não quiser comentar, entenderei perfeitamente.
Há poucos dias, um amigo em S Paulo, disse-me que você faz um excelente trabalho informativo, mas é mestiço. Fiquei incomodada com o à parte , embora eu saiba que muitos países africanos segregam os mestiços. A Guiné -Bissau também. O Amilcar Cabral talvez tenha sido vitima desse mal-estar contra os mestiços!

No entanto resolvi escrever ao meu amigo , perguntando:

Sendo o Didinho ( o Casimiro ) um mestiço , como sugeriu, pergunto, qual o problema? É que na verdade eu não considero isso como um fato a destacar. Ou é?

E ele me respondeu de imediato que "muitos negros consideram um fato a destacar. Os mestiços são discriminados em muitos países africanos."

Se  achar que pode esclarecer-me, comentando este fato, agradeço.

Saudações,

Margarida

 

 

Mestiçagem, s. f. cruzamento de raças diferentes; reprodução de mestiços entre si.

Mestiço (do Lat. mistíciu, de mixtu, misturado, adj. e s. m. indivíduo cujos pais são entre si de raça diferente.

Raça (do it. razza), s. f. (Brasil) a primeira e maior divisão do género humano; conjunto de indivíduos que conservam, entre si, por hereditariedade, caracteres psicofísicos semelhantes; conjunto dos ascendentes e dos descendentes de uma família, de um povo; geração; casta; origem; classe; estirpe; espécie; qualidade; réstia de sol; greta no casco das bestas; (Brasil) ter ~: ter ascendência africana.

Texto Editores - Dicionário Universal da Língua Portuguesa

 

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

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