INÁCIO VALENTIM OU A NEGAÇÃO DO MULTI-ETNICISMO

 

 

 

 

Alai Sidibé

Alai Sidibé

 

Londres, 2 Janeiro 2007

 

 

 

“Os povos... tal como os costumes e culturas... embora não sejam de uma igualdade matemática, são, contudo, de uma complementaridade matemática”.

Pièrre Teilhard de Chardin

 

O ano de 2007 não podia ter entrado da pior forma para todos aqueles que regularmente visitam o site do nosso incansável Didinho, mas sobretudo, para aqueles que não são crentes. Tanta tinta gasta, tanto tempo perdido para se dizer absolutamente NADA.

 

 Estimado compatriota Inácio Valentim, foi com muita desilusão que acedi ao seu artigo, que além de ter perdido uma grande oportunidade de debater ideias, passou ao lado daquilo a que dele se esperava: esclarecer. Este seu texto não foi mais do que uma tentativa de afirmação de um ego. Sinceramente, o autor cansa-me com tanto sermão religioso, tipicamente do padre ascéptico, tão magistralmente denunciado por Nietzsche. Devo, no entanto, dizer que desejava e esperava mais de si, mas também admito que talvez tenha sido apanhado por aquele vazio típico da quadra natalícia.

 No que concerne à leitura que faz do meu artigo, sou levado a confessar que, dado usar teclado inglês, e não poder manejar o português da forma que mais me agradaria, muitas vezes os meus escritos são susceptíveis de induzir em erro, daí as suas más interpretações. Mas não desespere, vou voltar a explicar num português tão básico como se estivéssemos de regresso à primária, ou como se nós os dois só tivéssemos quatro anos de idade.

 

a)      O ilustre pensador Inácio Valentim, acusa-me de expressar um ódio há muito guardado! Mas pergunto: ódio a quem? O Alai simplesmente se limitou a fazer referência a um facto empiricamente comprovado, da exclusão forçada de um certo grupo étnico em relação ao poder, levada a cabo por uma certa classe dirigente no país, por simples preconceito tribal. Mais. Que a partir do fatídico acontecimento de 14 de Novembro de 1980, a Guiné-Bissau se abdicou de ser um país digno desse nome, passando a ser uma outra coisa qualquer, dirigida por uma turba indisciplinada a que se deu o nome de república. O Inácio, por mais que faça a defesa da regência de Nino Vieira (aliás como faz), não me desmente quando afirmo que a referida data marcou o início da negação da nossa Guiné enquanto país civilizado.

 

b)      A provar de que o crítico Inácio Valentim não captou o alcance das minhas palavras, é o facto de trazer para o debate a questão da fé. Meu caro amigo, Deus é um assunto pessoal de cada ser humano, que não permite interferências de terceiros. Ora em nenhuma parte do meu artigo encontrará uma referência à questão da fé. Ao querer pôr-me na pele de um suicida muçulmano ou de um algoz nazi, o Inácio não faz mais do que revelar a sua verdadeira natureza: a intolerância tribal, tão cara ao animismo moderno. Deixo bem claro que em nenhuma circunstância acusei os animistas de incompetentes nem defendi que animismo fosse sinónimo de barbárie, mas tão simplesmente os critiquei por se julgarem os donos legítimos e absolutos do país (“dunus di terra”).

 

c)      Ah, e o Inácio culpabiliza os Fulas de todos os males da Guiné-Bissau, a saber, o 14 de Novembro; o 17 de Outubro; o 7 de Junho, etc., etc. Só falta culpar-lhes do massacre de Pijiguiti de 1959, isto para não falar dos próprios males do colonialismo. Mais, duma forma incrivelmente leviana, faz referência a um tridente formado pelos Fulas, Nino Vieira e os Mandingas (o seu outro ódio de estimação) que, num conluio maligno são a causa de todos os males e da estupidez governativa no nosso país. Assim, a Guiné-Bissau parece ser o único país no mundo em que a culpabilização governativa é imputada não aos governantes mas aos governados. Não todos, mas simplesmente aos Mandingas e aos Fulas, porque tudo o que é maometano é para o Inácio, motivo de repúdio. O senhor parece disparar para todos os lados, ontem foram os Fulas, hoje o bravo povo Mandinga, só não sei quem é o senhor que se segue.

 

d)      Eis o boxeur, que à frente do espelho se põe a ensaiar knockouts, com os quais julga vergar o adversário antes de sequer subir ao ringue. O populismo étnico do senhor Inácio, também se revela perigoso, na medida em que cultiva um narcisismo de casta, um modelo social concebido com base numa pirâmide, no topo da qual o Valentim coloca o seu próprio grupo étnico. As restantes etnias, porque inferiores no escalão concebido, se posicionam logo a seguir, mas onde os Fulas e os Mandingas, porque párias, não fazem sequer parte da referida pirâmide, pois são sub-humanos, como tal, devem ser desmontados peça por peça e colocados num cantinho qualquer de um museu das espécies extintas (ou a extinguir).  Este tipo de pensamento é próprio de homens do passado que não se reconhecem no mundo de hoje.

 

e)      Fiz referência ao povo Fula como sendo “Rei Absoluto de toda a Africa”, não no sentido em que o senhor o vê, mas tão simplesmente para o definir como gente humilde, incisiva, empreendedora, combativa, pacífica, etc. Porque o império Fula é o do amor e da diversidade e não do ódio. Vê como não captou o meu raciocínio? Porque ao falar duma hipotética realeza fula, revela um profundo distanciamento em relação ao seu próprio continente.

 

 Já em relação à triste figura por si protagonizada – a ponto de me sugerir leituras – devo simplesmente dizer que a lamento, profundamente, porque embora aceda ao seu pedido, temo que os autores em causa sejam limitados demais para o que eu quero para a África - acima de quaisquer provincianismos de carácter étnico que o Inácio tanto preconiza. Mas já que isso contribui para a sua felicidade vou sugerir-lhe umas quantas obras só para refrear o seu ímpeto racista: leia por favor Negritud Libertad y Humanismo, de Léopold Sèdhar Senghor (disponível na biblioteca da Universidade de Lisboa-Fac. de Letras) - um autor cujos antepassados Mandinga e Fula partiram de Gabu, no século XIX, para se inserirem na comunidade Sérère do Senegal - que apesar de já desaparecido continua a ser mais actual do que a totalidade do pensamento africano e que é de longe o expoente máximo da intelectualidade do nosso continente; La Pensée Africaine, de Alassane Ndaw, uma tese de doutoramento defendida em 1985, sobre a Filosofia africana; veja também alguns escritos de Paul Rivet, o fundador do museu do Homem de Paris e professor da Escola Nacional Superior, sobre a miscigenização e culturas africanas; uma outra obra muito antiga, por isso muito rara, do Abade Gregoire que, em plena época napoleónica teve a ousadia de publicar De La Literature des Nègres. Por favor, o Inácio, de modo a ultrapassar o seu fraccionismo tribal, não deixe de ler e compreender alguns versos de Aimé Cèsaire (sobretudo o poema dedicado a Fouta Djalon e ao colonialismo), Leon Damas; os poetas do Negro Renaissance, Claude Mc Cay, Langston Hugues, Birago Diop, etc. Como vê a lista bem poderia ser longa mas fico por aqui, até porque só estes autores bastam para o ajudar a ultrapassar o seu provincianismo, e tentar estabelecer pontes entre as várias culturas negras e - porque não (?) - abrir-se à aportação das outras culturas dos outros povos do mundo. Os autores que indiquei ajudar-lhe-ão, com certeza, a ser um africanista razoável.

 

Eis-nos perante a última questão, a da intimidação intelectual. Muito sinceramente, o seu artigo está cheio de citações, o que lhe retira toda a autenticidade, isto além de dar um aspecto plagiador. Na verdade eu estava à espera duma reflexão genuína para podermos debater sobre questões concretas, e não um texto que tentasse impressionar a quem não se impressiona com megalomanias pretensamente intelectuais. Reservará essas tácticas – já gastas de tanto uso – para as correspondências pessoais, pois o Alai Sidibé não se impressiona com tais «jogadas», até porque não sou propriamente um principiante em academicismos. Ao querer dar uma imagem de douto iluminado, o que realmente faz é expor-se a nu.

 

 O Inácio usa e abusa nomeando autores como se de um trabalho de investigação se tratasse e não de um simples artigo. Logo Montequieu, o grande pensador francês precursor da separação dos poderes, com quem estabeleço contactos desde os meus tempos de estudos secundários e que o senhor só agora descobre; e Sartre, acaso leu o Orféu Negro deste autor? A obra que mais se identifica com a razão intuitiva, tipicamente negra, caso não saiba, é O Ensaio Sobre os Dados Imediatos da Consciência, de Henry Bergson, o filósofo francês mais importante da primeira metade do século XX. Que o Valentim se abstenha de me sugerir leituras, senão estará a contribuir para a sua própria ridicularização. Por isso, da minha parte, dou por terminada essa troca de palavras, não por fuga ao debate, mas tão simplesmente por não querer contribuir para a vulgarização do mesmo.

 

P. S: O senhor é responsável pelas acusações simplistas e infundadas (porque assentes num preconceito tribal) que fez ao povo Fula (e agora ao Mandinga) que ainda não provou e nem dá sinais de o fazer. Para concluir, digo apenas que, apesar de tudo, nada me move contra a pessoa do senhor mas tão simplesmente contra o seu rancor aos Fulas e a todo aquele para quem Meca é um lugar Sagrado.

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