A indigna atitude de nossos músicos

(Ponto de Vista)

“Si Kanua ka n'kadja nô na tchiga.”

 

Iva & Ichy

 

 

 

 

Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo *

 

rjogos18@yahoo.com.br

 

17.08.2009

 

Rui Jorge SemedoNão se pode dissociar a música da história do processo cultural e evolutivo humano. Ela é em minha opinião, a mais tradicional manifestação em que desde os primórdios mulheres e homens procuraram expressar suas alegrias, paixões, exaltação, repúdio e tristeza sobre fatos que acontecem nas sociedades a que pertencem e no mundo em geral, ou seja, é uma das mais genuína gesto de comunicação. No entanto, em algumas sociedades (senão em todas) podem ser observadas duas ou mais perspectivas em que ela se manifeste das quais citamos: tradicional, moderna e clássica.

 

Na Guiné nossa música tradicional começou a se manifestar com grupos de Mandjuandadi Combêfina, Pé di Meça, Pé di Muchu, Pé di Bancu, Ramu, Codê di Ramu e outros que ainda hoje continuam a contribuir positivamente para afirmação dos valores de nossa ancestralidade. Mas, é a partir do processo colonial que a história de nossa música vai ganhar contornos modernos e revolucionários com o heróico grupo Cobiana Djazz de nosso saudoso José Carlos Schwarz, do grande Aliu Barri e outros para marcar assim o importante diferencial na dinâmica da luta. Imbuídos do espírito libertador que contrariava o sistema opressor colonial português, Cobiana Djazz muito se fez para conscientizar a(s) sociedade(s) guineense(s) sobre seu(s) direitos e deveres na construção de uma sociedade que tem como prioridade o respeito pelos valores humanos.

 

Anos mais tarde, grupos como Mama Djombo, N'Kassa Kobra, Tchifri Preto, Kapa Negra e outros também marcaram o período pós-independência com músicas de apelo ao patriotismo e, sobretudo, a unidade nacional. Na metade da década de 80 esses grupos musicais começaram naturalmente a perder espaço e em seu lugar entrou a carreira individual que hoje produz músicos de reconhecido conceito internacional que continuam a levar nossa cultura mundo a fora. Contudo, nos últimos anos há que se reconhecer o papel preponderante do fantástico Tabanca Djazz e também dos grupos emergentes de músicos de nova geração, principalmente, os de estilo “Rap” que estão a produzir músicas que convidam a todos a uma reflexão responsável sobre a realidade nacional.

Diria que se tem coisa hoje que podemos vangloriarmo-nos e que conseguiu resistir os desmandos pelo qual o país tem passado é a produção musical. Pois, a música guineense sem exagero atingiu um papel de destaque pelo esforço próprio de seus profissionais, fato que pode ser observado pelos títulos internacionais de reconhecimento conquistado.   

 

Contrário a esse excelente crescimento musical, profissionalmente alguns dos nossos músicos têm deixado a desejar. A partir da primeira campanha política eleitoral para Assembleia Nacional Popular e Presidência da República em 1994 a momento presente nossos músicos têm demonstrado seus “envolvimento passivo na produção de corrupção” no país. Aliás, vale a pena ressaltar que nos últimos cinco anos uma boa parte deles decidiram trocar o mercado europeu onde supostamente a possibilidade de faturar com os shows é mais “real e rentável” para levar uma vida fácil na Guiné-Bissau, onde a massa trabalhadora “carece do poder aquisitivo” para adquirir gêneros de primeira necessidade e, muito menos, para comprar um ingresso e assistir espetáculo. Constata-se hoje que a participação de músicos nas campanhas eleitorais no País tem custado uma enorme fortuna aos cofres públicos. Carros de alto valor econômico, dinheiro e status duvidoso junto ao poder político são benefícios visíveis e irrefutáveis que compram ilicitamente valores morais e coerência de homens que outrora tiveram lisura na defesa de responsabilidade social e política do País.

 

O problema em questão não é porque eles ganham carros de luxo, dinheiro e status, mas está na procedência criminosa dos valores ganhos. Nossos partidos e candidatos não têm recursos suficientes para sustentar campanhas milionárias como temos visto. No mais, é obvio que nenhuma empresa estrangeira ou Governo estrangeiro vai patrocinar uma campanha sem esperar retorno do investimento feito. Pior ainda é que nessa situação de vulnerabilidade institucional, tanto do ponto de vista da legislação quanto do sistema de segurança, qualquer grupo criminoso ou com interesses criminosos pode aproveitar e injetar seu dinheiro para depois ter o País em mãos. E um músico como qualquer outro profissional responsável deve estar atento as armadilhas da corrupção. Ganhar dinheiro é bom, no entanto, também exige como contrapartida honestidade e responsabilidade pública. Do contrário seremos obrigados a apontar dedo por conduta duvidosa e criminosa a quem quer que seja: músicos, políticos, militares, intelectuais, cidadão comum, empresários e também aos cidadãos emigrantes no país.

 

Além de grande respeito e admiração que tenho pelos nossos músicos, sou fascinado pelos diversos e variados ritmos da música nacional. Fico triste e estarrecido quando vejo nossos mais nobres embaixadores musicais como Justino Delgado, Rui Sangara, Miguelinho N'Simba, Dulce Neves, Iva & Ichy, Atanásio, Sambala Kanuté, Bubacar Djamanca, Kaba Mané, Djanuno Dabó, Patchy Di Rima, Zeras Bunca, etc.…, a fazerem papeis que não são compatíveis com suas responsabilidades perante o sofrimento do povo que neles têm a esperança para a mudança. Se por um lado subir no palco para apoiar partido ou candidato nos garante regalias e nos evita passar fome, por outro não nos ajuda a resolver os problemas que temos. Principalmente, de ausência de uma sólida política que promova o desenvolvimento de atividades culturais. Dói muito constatar que não existe mais a Escola de Música José Carlos Schwarz, que não tem lojas de vendas de instrumentos musicais, que não existe teatro, cinema, biblioteca, centro de convenção, parque de diversão e que não são organizados festivais, etc. Ou seja, estamos a observar como cúmplices a morte da educação e cultura da nossa “Pátria Amada” como diz o nosso memorável “Hino Nacional”.   

 

O partido ou candidato que quer ter apoio popular para vencer eleições tem que usar dos tradicionais recursos de convencimento como: uma proposta credível de governo, saber elaborar discursos, estar preparado para responder questões sobre a situação nacional e internacional (caso for preciso), participar dos debates públicos e construir uma postura decente. Por exemplo, no Brasil a partir das eleições de 2006 é proibido uma serie de práticas que podem viciar o processo eleitoral. Entre elas, procurou-se aperfeiçoar o controle sobre o financiamento público das campanhas; ficou proibida a participação de músicos nos comícios; é proibida a produção de camisolas com logotipo de partidos e caras de candidatos e também a produção de cartazes, etc. É verdade que essas medidas não inibem na sua totalidade a corrupção eleitoral, mas pode ajudar a administrar práticas que podem fraudar cofres públicos.

 

Nesse sentido, igualmente se faz necessário apontar a urgente necessidade de aperfeiçoamento e adequação de nossa lei eleitoral a um sistema de controle institucional que permita verificar a procedência de recursos que são usados nas campanhas eleitorais. Não tenho dúvidas de que o dinheiro que fraudulentamente serviu para manipular de forma criminosa a cabeça dos cidadãos nos tradicionais festivais eleitorais poderia servir para comprar, pelo menos, leitos e outros materiais indispensáveis para equipar a maternidade e a pediatria do Hospital Nacional Simão Mendes e amenizar o sofrimento das mães e crianças que não conseguem viajar para Senegal ou Europa como acontece com famílias poderosas.     

 

* Cientista Político, São Carlos - SP, Brasil


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