A GUINÉ-BISSAU, COM REALISMO! CONCLUSÃO

Num país onde há realmente submissão das Forças Armadas ao poder institucional, nunca são os militares a falar de assuntos da competência dos órgãos de soberania!

Por: Fernando Casimiro (Didinho)

didinho@sapo.pt

16.04.2009

Fernando Casimiro (Didinho)Os acontecimentos de 1 e 2 de Março, exigiam do governo de Carlos Gomes Jr. uma iniciativa de emergência, do tipo "Gabinete de Crise", com a convocação imediata de uma reunião com os partidos políticos com assento parlamentar, com os representantes do Poder Judiciário, com os representantes da Sociedade Civil, mas também, com as chefias militares legal e automaticamente constituídas no caso da morte do Chefe do Estado-Maior General, no sentido de se analisar a gravidade da situação e encontrar respostas urgentes para a salvaguarda do poder institucional e por assim dizer, dos órgãos de soberania, bem como, para a garantia da integridade territorial, a defesa e protecção dos cidadãos.

O país tinha assistido num espaço de menos de dez horas, a 2 bárbaros assassinatos, de duas das suas mais importantes figuras: o Presidente da República e o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.

Esses assassinatos eram motivos mais do que suficientes para se criar um "Gabinete de Crise" e possibilitar a concertação de posições, a uma só voz, para a condenação dos actos, mas, sobretudo, para se saber o que estava por trás dessas acções e, se poderia haver mais mortes.

O momento era oportuno para, através do "Gabinete de Crise" o governo propor o pedido do envio de uma Força Militar das Nações Unidas, com base na gravidade e na incógnita da situação, tendo como argumento para esse pedido, o facto de a Guiné-Bissau ser Estado membro das Nações Unidas.

Infelizmente, nada se fez. O governo refugiou-se num silêncio conspirador, permitindo que aparecesse um auto-proclamado Comité Militar, pela voz de Zamora Induta, o mesmo a quem o próprio governo propôs ao Presidente da República interino, para o cargo de Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas interino, contrariando as normas constitucionais.

A morte do Presidente da República delega o exercício interino da Presidência da República ao Presidente da Assembleia Nacional Popular e a morte do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas delega o exercício interino da Chefia do Estado-Maior a um dos Chefes do Estado-Maior dos 3 ramos das Forças Armadas, e pelo que consta, ao Chefe do Estado-Maior do Exército.

O governo ignorou todos os princípios da governança, tendo agido inclusive, evidenciando sinais de estar sintonizado com o Comité Militar anunciado por Zamora Induta.

O país foi assistindo a violações da Constituição pela "ausência" de um governo que fora justamente eleito, porquanto o povo guineense ter decidido apostar no Sr. Carlos Gomes Jr. e, consequentemente, no PAIGC aquando das eleições legislativas de Novembro passado.

Desde os acontecimentos de Março, tem sido Zamora Induta quem mais fala, intrometendo-se em assuntos que, a haver um governo legalmente instituído, são da competência desse governo.

Zamora Induta fala de e faz justiça por iniciativa própria;

Zamora Induta fala de narcotráfico repetindo as mesmas queixas e exigências que anteriormente Nino Vieira e Tagme Na Waie fizeram, para dissimular as suas ligações ao narcotráfico.

Zamora Induta apresenta sugestões para isto ou para aquilo, como se fosse Presidente da República, chefe do governo ou  Presidente do Supremo Tribunal, numa lógica promocional de 3 em 1.

Zamora Induta tem falado como se conhecesse os dossiês detalhados da reforma das Forças Armadas e do combate ao narcotráfico...

Zamora Induta conhece certamente as ligações ao narcotráfico, mas não conhece o dossiê, pois se o conhecesse, tal como o conhece o Primeiro-Ministro Carlos Gomes Jr. por indicação das comissões institucionais competentes, teria falado mais detalhadamente sobre o assunto... ou, no mínimo, teria manifestado consideração pelas instituições do Estado encarregues desta matéria.

O combate ao narcotráfico na Guiné-Bissau não é um assunto da competência militar, mas sim policial, pois é um crime que se insere na esfera da segurança interna e da ordem pública e, como tal, deve estar sob a alçada da estrutura policial afecta ao Ministério da Justiça, neste caso, à Polícia Judiciária. No entanto, deve haver, sempre que solicitado, colaboração estreita das Forças Armadas com os serviços nacionais específicos.

É esta a leitura que faço com base na Constituição da República.

ARTIGO 20º

 

1 -       As Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP), instrumento de libertação nacional ao serviço do povo, são a instituição primordial de defesa da Nação. Incumbe-lhes defender a independência, a soberania e a integridade territorial e colaborar estreitamente com os serviços nacionais e específicos na garantia e manutenção da segurança interna e da ordem pública.

Por exemplo, há acções concretas que as Forças Armadas podem realizar no âmbito de uma colaboração estreita com a Polícia Judiciária e que passam pela cedência de viaturas, equipamentos de comunicações, vigilância das instalações prisionais etc., mas que não realizam, porque quem dá cobertura ao narcotráfico na Guiné-Bissau são as próprias estruturas militares, através do comando das suas chefias.

Zamora Induta sabe e bem, que o que originou todas as disputas que culminaram com as mortes bárbaras de Tagme Na Waie e de Nino Vieira foi o narcotráfico!

Mas porque fala Zamora Induta sobre o narcotráfico?

Porque com as constantes manifestações e posicionamentos da Comunidade Internacional sobre os desmandos que têm acontecido na Guiné-Bissau, pensa que abordando a questão do narcotráfico e posicionando-se com "conversas de agradar", fará com que as atenções se desviem dos desmandos.

Porque pensa que abordando a questão do narcotráfico de forma "encomendada" conseguirá influenciar a opinião pública nacional e internacional sobre a sua postura em defesa dos interesses da Guiné-Bissau em geral e do combate ao narcotráfico em particular.

O senhor Zamora Induta fala muito, querendo demonstrar que é uma pessoa séria e comprometida com o país. Sabe-se no entanto que é proprietário de 2 apartamentos em Portugal, os quais, por se situarem no mesmo piso do mesmo prédio, foram devidamente remodelados passando a interligar-se um ao outro. Com que dinheiro o senhor Zamora Induta comprou esses apartamentos em Portugal?!

Obviamente que não é só o senhor Zamora Induta quem investiu em Portugal com o dinheiro sabe-se lá de quem ou do quê. Ao longo de 36 anos, uma elite de governantes e militares guineenses tem desviado receitas do Estado, bem como ajudas financeiras de países e instituições internacionais à Guiné-Bissau, para entre muitas utilizações, adquirirem bens imobiliários no estrangeiro, concretamente em Portugal.

Outros têm optado pelo branqueamento de capitais provenientes dos rendimentos do narcotráfico para fazerem aquisições de imóveis  e outros bens patrimoniais no exterior.

A propósito, o senhor Marciano Silva Barbeiro, um civil que foi Ministro da Defesa nos governos de Martinho N'Dafa Cabi (empossado a 17/04/2007) e de Carlos Correia (empossado a 09/08/2008), também adquiriu há não muito tempo, um apartamento em Portugal, tendo pago milhares de euros a pronto pagamento...e em dinheiro, notas!

Se fizermos uma investigação aprofundada sobre os imóveis adquiridos no estrangeiro por governantes e militares guineenses encontraremos provavelmente muitos nomes e muitas verdades sobre a origem dos dinheiros que possibilitaram essas aquisições, desde desvios do tesouro público, através de levantamentos do Ministério da Defesa, sem qualquer justificativo de despesas (não terá o Dr. Francisco Fadul razão nisto?), passando por lavagens de dinheiro do narcotráfico.

O Governo tem assistido passivamente a todas as intromissões do novo homem-forte das Forças Armadas, pois agiu desde a primeira hora (acontecimentos de 1 e 2 de Março), de forma cúmplice e agora é tarde para "domesticar" Zamora Induta e fazê-lo ver que se realmente os militares estão subordinados ao poder político, não lhes compete falar e responder a cada voz que se insurge contra os atropelos que todos têm assistido no país.

Das polémicas entrevistas concedidas pelo Dr. Francisco Fadul a vários órgãos de comunicação social em Portugal, o Estado-Maior e o governo pronunciaram-se com a maior das vulgaridades, ou seja, limitaram-se a refutar as acusações, considerando-as "falsas e irresponsáveis" e pedindo a intervenção do Procurador-Geral da República.

"Estamos num Estado de Direito, em que cada um é livre de dizer o que bem entender. Só que há aqui um problema. As pessoas estão habituadas a não serem responsabilizadas por aquilo que dizem e isso não vamos aceitar de ninguém", disse Zamora Induta à Lusa.

Zamora Induta teria razão se dissesse o seguinte: As pessoas, aliás, os militares e os governantes estão habituados a não ser responsabilizados por aquilo que dizem ou fazem e isso tem que acabar na Guiné-Bissau!

O actual Primeiro-ministro, senhor Carlos Gomes Jr.  (é bom recordar esta passagem), teve que fugir  para se refugiar na representação das Nações Unidas em Bissau, em Janeiro de 2007, por alegadamente ter acusado, numa entrevista concedida à Agência Lusa, o falecido presidente João Bernardo Vieira da autoria moral do assassinato do Comodoro Lamine Sanhá.

Apesar de posteriormente ter negado a autoria dessas acusações, o certo é que o senhor Carlos Gomes Jr. nunca se insurgiu publicamente contra a Agência Lusa no sentido de provar não ter proferido tais acusações. Apenas negou ter dito o que o jornalista da Lusa reproduziu. Mas alguém tem dúvidas de que foi mesmo isso que o senhor Carlos Gomes Jr. disse sobre a morte do Comodoro Lamine Sanhá? Eu não tenho, mas sei que faltou coragem a Carlos Gomes Jr. para assumir o que tinha dito, acusando Nino Vieira de ter sido o autor moral do assassinato de Lamine Sanhá.

Na altura, também não nos posicionamos contra as declarações de Carlos Gomes Jr., nem achamos que se estava a pôr água na fervura, como também, não chegamos a considerar essas declarações de falsas e irresponsáveis.

Limitamo-nos a ouvir, a ler e a analisar os elementos de uma acusação, independentemente do nome de quem as proferiu.

E hoje...?!

Hoje há parcialidade e incorrecção perante as acusações do Dr. Francisco José Fadul, por parte de muitos que foram imparciais e correctos aquando das acusações de Carlos Gomes Jr. contra Nino Vieira no caso da morte do Comodoro Lamine Sanhá.

Hoje, é Francisco José Fadul quem acusa Carlos Gomes Jr. de conluio com Zamora Induta nos assassinatos de Tagme Na Waie e de Nino Vieira, mas como já todos percebemos, o Dr. Francisco José Fadul não retirará uma única vírgula em relação às acusações que proferiu, afiançando até, que vai regressar à Guiné-Bissau assim que estiver recuperado. Será isto sinónimo de irresponsabilidade ou cobardia?!

O Dr. Francisco José Fadul certamente não aparecerá depois a negar o que disse, ou para dizer que não foi isso que quis dizer.

 Ficaremos à espera do processo judicial a ser movido pelo governo e pelo Estado-Maior, já que, segundo Zamora Induta, a Guiné-Bissau é um Estado de Direito e as pessoas têm que ser responsabilizadas por aquilo que dizem.

Ficaremos a aguardar igualmente pelas audições do Ministério Público quer ao senhor Primeiro-ministro Carlos Gomes Jr., quer ao senhor Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas interino, Zamora Induta, sobre as acusações proferidas por Francisco José Fadul, a respeito dos assassinatos de Tagme Na Waie e de Nino Vieira.

Convém realçar no entanto, que Zamora Induta, numa investigação séria, deve ser ouvido como elemento-chave, pelo menos em relação ao assassinato do ex- presidente João Bernardo Vieira, pois foi ele quem deu a conhecer aos órgãos de comunicação social os primeiros detalhes sobre a morte de Nino Vieira!

Os acontecimentos de 1 e 2 de Março terão consequências várias quer a curto, quer a médio prazo na Guiné-Bissau.

Poder-se-á pensar que a crise está ultrapassada, mas o certo é que essa é uma leitura irrealista.

Até hoje nada de oficial se sabe das mortes ocorridas e, por assim dizer, das motivações que as provocaram.

O governo de Carlos Gomes Jr. perde, a cada dia que passa, a simpatia e a credibilidade do povo guineense que, apesar de ter votado no PAIGC em Novembro de 2008, sente-se desconsiderado e traído pela forma indigna como o governo tem lidado com os casos de 1 e 2 de Março.

O povo guineense saberá tirar as devidas ilações desta crise e penalizará certamente, quer Carlos Gomes Jr., quer o PAIGC quando for chamado a exercer o seu direito de voto nas presidenciais agendadas para 28 de Junho próximo.

Esta crise parou o país e suspendeu as diligências no sentido de se obter consensos internacionais para o apoio financeiro e estrutural à Guiné-Bissau.

Consequentemente, o governo poderá encontrar sérias dificuldades para garantir o pagamento de salários aos funcionários, bem como para cumprir com outros compromissos de tesouraria, o que poderá motivar greves e alguma agitação social.

Quer queiramos, quer não, os desmandos que provocaram os espancamentos e intimidações de cidadãos nacionais, por terem expressado as suas opiniões, mereceram um forte repúdio da Comunidade Internacional e, atitudes do género desencorajam qualquer iniciativa de consenso para ajudar na viabilização económica da Guiné-Bissau.

Quer queiramos quer não, quando os militares demonstram ser poder, a legitimidade democrática é posta em causa e com isso, os órgãos de soberania. Nesta matéria, a Comunidade Internacional tem alertado reiteradas vezes  aos guineenses para uma crescente desmotivação internacional nos apoios ao país, devido ao crónico problema da instabilidade.

Até à realização das presidenciais (28 de Junho), muito do futuro da Guiné-Bissau estará em jogo diariamente, diria até que, hora a hora.

A cumplicidade do governo com as novas chefias militares poderá ser o fim político de Carlos Gomes Jr.

Apesar do momento delicado, continuamos a acreditar na Mudança e, por conseguinte, na recuperação da Guiné-Bissau!

Vamos continuar a trabalhar!

Guiné-Bissau: Governo considera declarações de Francisco Fadul "falsas e irresponsáveis" e pede intervenção de PGR

08 de Abril de 2009, 17:30

 

Bissau, 08 Abr (Lusa) - O Governo guineense considerou hoje "falsas, extremamente graves e irresponsáveis" as acusações de Francisco Fadul, presidente do Tribunal de Contas, de "conluio" entre primeiro-ministro e militares com vista à eliminação do Presidente "Nino" Vieira.

Em conferência de imprensa hoje ao início da tarde, o porta-voz do Governo e ministro da Comunicação Social, Fernando Mendonça, afirmou ainda que o Executivo pediu ao Procurador-Geral da República para tomar "medidas pertinentes".

"São declarações falsas, extremamente graves, irresponsáveis, que atentam contra a honra e o bom-nome de sua excelência o primeiro-ministro e do chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, bem como do próprio Governo e instituições da República", disse o porta-voz.

"Em conformidade com as declarações, atentatórias ao bom -nome dos altos dignitárias do país e das suas instituições democraticamente instituídas, o Governo acaba de solicitar ao Procurador-Geral da República que tome as medidas pertinentes que a situação aconselha e exige", sublinhou Fernando Mendonça.

O porta-voz do Governo lembrou também a "opinião pública nacional e internacional que estão em curso inquéritos, tendo em vista a descoberta da verdade e consequente julgamento exemplar dos autores dos crimes" que vitimaram "Nino" Vieira e o chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), Tagmé Na Waié.

Francisco Fadul acusou hoje o primeiro-ministro guineense, Carlos Gomes Júnior, e o CEMGFA interino, Zamora Induta, de terem feito "um conluio" para eliminar o Presidente "Nino" Vieira e Tagmé Na Waié.

As acusações de Francisco Fadul foram feitas em Lisboa, para onde foi transferido na madrugada de sábado depois de ter sido atacado na sua residência em Bissau por um grupo de homens vestidos com uniformes e armados.

MSE.

Lusa/Fim

 

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