FUNDAÇÃO VISCONDE DE CAIRU

CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA VISCONDE DE CAIRU

 

 

 

 

REFLEXÕES ACERCA DO DESENVOLVIMENTO NA ÁFRICA: idéias e debates[1]

 

 

 

 

Mamadu Lamarana Bari, PhD[2]

 

Prof. Dr. Mamadu Lamarana Bari

 

 

 

Salvador-BA

Agosto de 2006

 

 

 

 

 

 

 

Sumário

 

1. Introdução

  1.1. Desenvolvimento Econômico: conceitos e debates

2. O Modo de produção Colonial (capital mercantil)

  2.1. As Conseqüências do Colonialismo: o empobrecimento, o

       subdesenvolvimento e a imposição cultural.

  2.2. O Incentivo Forçado para Exportar

3. Da Emancipação Política à busca da Emancipação Econômica

   3.1. OUA – Símbolo em prol da emancipação dos povos africanos:

            esperança do ressurgimento do Welfare State

 4. A Interpretação e Assimilação dos Sistemas Econômicos então delineados

      pela Guerra Fria

 5. Políticas de Regionalização Econômica

 6. Avanços e Retrocessos Econômicos (Guerras de Libertação/Civil)

 7. Mudanças na Ordem Econômica Mundial face à queda do Muro de

     Berlim: (Re)Surgimento da Visão Econômica Global

 8. Considerações Finais: qual o modelo ideal para a África?

 

Referências Bibliográficas

 

 

 

Apresentação

 

A África Subsahariana (ASS) atualmente é formada por 46 países, dentro estes, cerca de 35 têm menos de 10 milhões de habitantes e cerca de 15 países constituem enclaves.

A formação do PIB é pouco mais de meio milhão de dólares, sem contar com a África do Sul.

A África Subsahariana representa, cerca de 10% da população mundial. Entretanto, apesar de representar uma potencialidade em termos de recursos humanos e materiais, apenas contribui mundialmente com 1% do PIB, 1,3% das exportações e menos de 1% do VAB industrial.

É desta África que toda a atenção mundial está voltada. O pior de tudo, apesar de múltiplos esforços feitos, ainda não se tem um plano de desenvolvimento integrado, uma vez que as ideologias políticas dominantes não conseguem se desvencilhar dos processos de produção delineados no âmbito do modo de produção colonial.

 

 

1. Introdução

 

 

Para melhor se ter à idéia sobre o processo histórico da intervenção política e econômica na África em nome da expansão da fé e de trocas no Além Mar é preciso entender e analisar o contexto da acumulação capitalista sob a égide do capital mercantil e também entender o contexto global da articulação mundial de potências econômicas, em cada momento da tentativa de consolidar seus interesses econômicos camuflados sob justificativas de implantação e defesa da ordem social e política no mundo. O entendimento desses subterfúgios implica não só em aprofundar a análise sobre as características do Modo de Produção Capitalista, mas também identificar como o continente africano foi articulado entre ideologias opostas que dividiram o mundo em dois pólos econômico e politicamente (o Capitalismo e o Socialismo). Apesar do fenômeno globalização dominar os negócios, o reflexo do colonialismo ainda se faz presente nas economias dos países africanos. Esse reflexo torna-se a principal pedra angular na formulação de teorias econômicas a luz da realidade africana. Isto equivale dizer que tanto os líderes governantes quanto os setores econômicos de países africanos estão sempre sujeitos às adaptações sucessivas das exigências impostas de fora, sobretudo às oriundas dos centros de poder econômico mundial.

 

1.1. Desenvolvimento Econômico: definição e debates

A complexidade do processo de desenvolvimento e ao mesmo tempo a sua relevância para o bem-estar de bilhões de pessoas do planeta têm funcionado como uma importante motivação para os pesquisadores que atuam nessa área. Como avançar em cada uma das dimensões que caracterizam o desenvolvimento? Há complementaridades entre elas? Qual deveria ser priorizada? Quais instrumentos utilizar?

 

O termo desenvolvimento na literatura econômica foi tema de várias definições consoantes o entendimento e vinculação político-ideológica de alguns economistas de expressão mundial:

Colman e Nixon (1981) definem o desenvolvimento como um processo de aperfeiçoamento em relação a um conjunto de valores. Certamente, a visão destes autores baseia-se na distinção entre o crescimento e o desenvolvimento econômico, porque segundo eles o crescimento seria o mero aumento da renda per capita enquanto que o desenvolvimento envolveria transformações sociais. Entretanto na visão de economistas neoclássicos o conceito desenvolvimento muitas vezes é analisado em torno da visão capitalista de acumulação, ou seja, só se pode conceber como país desenvolvido um país industrializado. Dentro dessa visão míope, muitos países outrora primário-exportador apostaram na industrialização como caminho para o desenvolvimento.

Bresser-Pereira (2006) não fugindo muito desse contexto de análise baseado no processo de acumulação de capital define o desenvolvimento como um fenômeno histórico que passa a ocorrer nos países ou estado-nação que realizam sua revolução capitalista, e se caracteriza pelo aumento sustentado da produtividade ou da renda por habitante, acompanhado por sistemático processo de acumulação de capital e incorporação de progresso técnico. Entretanto, para o Furtado (1974) a análise do desenvolvimento não deve ser dissociada dos elementos que podem ser considerados ao mesmo tempo uma conseqüência e necessidade da afirmação do Modo de Produção Colonial. Ou seja, a dependência e o subdesenvolvimento.

Segundo Furtado (1974), a problemática da dependência está relacionada ao fenômeno do subdesenvolvimento que para ele é “... coetâneo do desenvolvimento, como um dos aspectos da propagação da Revolução Industrial”. Partindo desse pressuposto, ele avalia que o subdesenvolvimento não é uma fase do sistema capitalista, mas na verdade uma conseqüência e necessidade do mesmo, pois “... o ponto de partida do subdesenvolvimento são os aumentos de produtividade do trabalho engendrados pela simples realocação de recursos visando obter vantagens comparativas estáticas no comércio internacional”.( Furtado, 1974, p.78)

Nessa mesma seqüência de análise, Furtado, explica que a existência de uma classe dirigente com padrões de consumo similares aos de países onde o nível de acumulação de capital é muito mais alto e impregnada de uma cultura urbano-industrializada, cria laços de dependência e direciona as forças produtivas de acordo com seus interesses, subjugando o país ao subdesenvolvimento.

Segundo esta formulação, a definição de dependência é a de uma situação na qual economias de um grupo de países são condicionadas pelo desenvolvimento e expansão de outras. Uma relação de interdependência entre dois ou mais países ou entre estes países e o sistema mundial de comércio torna-se uma relação de dependência quando alguns países podem expandir-se por movimento próprio através da acumulação e apropriação de excedentes econômicos, enquanto outros, estando numa situação de dependência, só podem expandir-se como um reflexo da expansão dos países dominantes, os quais devem ter efeitos positivos ou negativos nos seus desenvolvimentos imediatos.

Essa tendência a super acumulação, com a conseqüente necessidade da expansão das oportunidades de investimentos, é contrastada pelo capitalismo monopolista através do uso não produtivo do excedente em itens como os serviços de propaganda, gastos militares, etc. Esses mercados, como BARAN (1974) mostra, servem simultaneamente para expandir o consumo e para reduzir o excedente reinvestível. Assim, tanto a realização do excedente, quanto à apropriação de excedente dos países periféricos não é logicamente necessária ao desenvolvimento do centro.

Apesar de o conceito desenvolvimento ser amplamente debatido nos fóruns econômicos mundiais, a teoria econômica, sobretudo a pós-keynesiana, nos meados e finais do século vinte, veio confirmar as falácias do conceito do desenvolvimento baseado na industrialização. As experiências mostram que o modelo da industrialização tem levado ao crescimento do produto interno bruto (PIB) e não ao desenvolvimento, por causa de transferências de rendas que este modelo provoca. Normalmente, quando se compara o Produto Interno Bruto - PIB e o Produto Nacional Bruto - PNB dos países em vias de desenvolvimento, nota-se a diferença que o PIB é sempre maior que o PNB.

Não obstante, alguns institutos de pesquisas econômicas elegerem o PNB per capita como medida de referência para o desenvolvimento econômico, no que refere a distribuição de renda, ele não é capaz de ser a medida de referência para comparar as rendas de diversas nações. Isso ocorre, sobretudo, devido a fatores que distorcem a medição do produto. Dentre o qual pode ser citada a grande circulação de produtos e serviços na taxa de câmbio real e nos preços relativos (Domingues, 2004).

 

O desenvolvimento econômico, portanto, no seu conceito mais amplo pode ser definido como uma combinação de crescimento sustentado, reestruturação produtiva com aprofundamento tecnológico e melhoria nos indicadores sociais da população em geral (IPEA TD 1000: 40 anos de pesquisa economia e aplicada).

 

O desenvolvimento segundo a literatura econômica apresenta metas relativamente fáceis de definir, mas difíceis de alcançar: no último meio século, contam-se nos dedos de uma mão os países que deixaram a condição de subdesenvolvidos. Isso reflete o fato de que o desenvolvimento não se alcança com receitas prontas, predefinidas: o que funciona em um país pode não funcionar em outro, a política certa em uma época pode se tornar um equívoco no momento seguinte. Conceituar e medir desenvolvimento econômico não são tarefas fáceis, existem complicadores que são a inexistência de uma forma adequada de consenso a respeito do assunto e a ausência de técnicas de medições suficientemente eficazes. A classificação dos países segundo os estágios de desenvolvimento é arbitrária: os de renda per capita mais elevadas são classificadas como “desenvolvidos” e os demais como “subdesenvolvidos”

Neste contexto, para entender a tentativa dos modelos de desenvolvimento por que passaram diversos países da África é necessário analisar não apenas o modo de produção implantado na África colônia e da conseqüente divisão de trabalho com base no exclusivo metropolitano, mas também os diferentes estágios por que passaram a áfrica partilhada e explorada pelas grandes companhias comerciais. 

 

2. O Modo de Produção Colonial (Capital Mercantil)

O entendimento sobre o subdesenvolvimento na África e a busca de modelos para o desenvolvimento passa pela análise do modelo econômico baseado no modo de produção colonial, precisamente falando do capital mercantil.

A introdução do modo de produção colonial (capital mercantil) na África levou ao aparecimento do trabalho forçado disfarçado de assalariado e da expropriação de terras para torná-las propriedades privadas, concentradas nas mãos dos europeus ou das elites dominantes locais e das grandes companhias comerciais dedicadas às atividades de exportação (ALCOA, NOSOCO, CASA GOUVÊA, ULTRAMARINA, etc.). A dissolução do cultivo coletivo da terra nas aldeias e a desintegração do artesanato urbano afastaram os camponeses e artesãos de seus meios tradicionais de subsistência, criando um pseudoproletariado miserável concentrado nas cidades, dedicados aos serviços domésticos e empregados de balcão.

 

2.1. As Conseqüências do Colonialismo: o empobrecimento, o subdesenvolvimento e a imposição cultural.

 

Os efeitos verificados foram causados pelos dois fatores econômicos relacionados ao Modo de Produção Colonial : “exclusivo metropolitano” e a determinação da “vocação produtiva” (DIT´S). Esses fatores teriam que ser sustentados pelas novas filosofias econômicas: exportação de capitais para investir em infraestruturas que facilitassem o escoamento da produção e incentivo forçado à exportação (extraversão econômica).

 

As exportações de capitais e de produtos manufaturados proporcionaram o aumento da lucratividade e conseqüentemente o aumento das riquezas dos países industrializados, isto porque nas colônias, os impostos cobrados eram altos, os preços das terras e dos salários eram baixos e as matérias primas eram baratas, ou seja, este processo de transferência brutal de renda permitiu a aceleração da acumulação do capital nas colônias e a expansão do capitalismo. Essa expansão via colonialismo criou, pela primeira vez, um mercado mundial, onde a economia das colônias fornecedoras de minerais e de gêneros agrícolas era complementar à economia dos países industrializados.

 

2.2. O Incentivo Forçado para Exportar

A criação de um mercado mundial não representou benefício para as colônias porque a venda de seus produtos não se realizava conforme as leis da oferta e da procura. Foi, antes de tudo, "o produto de uma relação de forças", ou seja, a metrópole, através do seu poderio econômico e militar, impunha o preço da matéria prima. A Comercialização dos produtos coloniais ficava a cargo das companhias européias que se apropriavam da maior parte do lucro, restando à burguesia colonial associada a menor parte dele.

O que restava para as populações nativas criadoras destas riquezas?

Apenas restavam a pobreza apesar de recursos naturais abundantes, a fome apesar de terras agriculturáveis suficientes, a miséria apesar do conceito da grande família africana baseada na cultura solidária, enfim todo o tipo de exploração de homem pelo homem.

O desenrolar desse episódio veio culminar com protestos nacionalistas, organizados em sociedades civis e políticos e, militar em algumas colônias.

Com ascensão à independência, a maioria dos países africanos passou a enfrentar a necessidade de reestruturação política e econômica, uma vez que tudo que havia em termos de infraestruturas eram construídos em função do atendimento aos reais interesses do colonizador. Além disso, havia a necessidade de os novos líderes se organizarem em torno de um ideal para se situarem no contexto político e econômico mundial.

Nesse contexto, os lideres africanos conscientizados sócio e politicamente pelo estado de miséria e pelo estado de subordinação brutal ao capital monopolista que o colonialismo deixou seus países em um mundo pós-guerra e bipolarizado tentaram criar uma organização em torno da qual os estado-nações, recém independentes poderiam se abrigar para defenderem seus interesses políticos e econômicos. Esta decisão pode ser interpretada como um grito de emancipação político e econômico da África.

 

3. Da Emancipação Política à busca da Emancipação Econômica

 

Década 60, ficou conhecida na história do continente africano como o ano da África por ser nessa década que muitas colônias se tornaram independente, nomeadamente, Argélia, Senegal, Gâmbia, Mali, Costa do Marfim, Togo, Burkina Fasso, Gabão, República Democrática do Congo (Congo Kinshasa), República Popular do Congo (Congo Brazaville), Benin (Daomé), República Centro Africana, Camarões, Niger, Burundi, Ruanda, etc.

 

3.1. OUA - Símbolo em Prol da Emancipação dos Povos Africanos: esperanças do ressurgimento do Welfare State

 

No dia 25 de maio de 1963, 32 chefes de Estado africanos se reuniam em Adis Abeba, capital da Etiópia, num momento histórico para fundar a organização que seria o símbolo de luta e da reafirmação africana contra a colonização e subordinação a que todo um continente repetidamente foi submetido durante séculos. Colonialismo, neo-colonialismo, "partilha da África". Os termos mudaram ao longo do tempo, mas os africanos viam suas riquezas naturais e humanas sendo pilhadas pelas nações que se consideravam economicamente mais fortes. Nessa reunião havida em Adis Abeba, a capital da Etiópia, esses líderes capitaneados pelo Presidente de Gana Kawame N´krumah, criaram a OUA (Organização da Unidade Africana), hoje a União Africana.

Portanto, uma vez criada essa organização política em torno da qual decisões importantes a nível político, econômico e geopolítico passariam a ser tomada, era necessário se precaver não apenas contra a pressão que poderia provir desse mundo dividido pela guerra fria, mas também se levar em conta o entendimento sobre a visão economicista dos países capitalistas industrializados sobre o mercado dos países periférico. Esse entendimento passaria necessariamente pela interpretação e assimilação dos sistemas econômicos então delineados pela guerra fria.

 

 

4. A Interpretação e Assimilação dos Sistemas Econômicos então delineados pela Guerra Fria

O entendimento sobre a escolha de qual sistema econômico será adotado por cada um dos países deverá passar pelos seguintes questionamentos: Qual o sistema econômico apropriado para a África onde, apesar da assimilação de alguns valores ocidentais (aculturamento político consumista) introduzidos pelo colonialismo, a organização político e administrativa do estado ainda se confundem um pouco com a da estrutura étnica e de costumes tribais? Em torno de que idéias políticas hegemônicas ou históricas deverá ser estruturado o sistema econômico a modo da África? Equivale dizer, em torno de quais idéias e sistemas econômicos, os países africanos dependentes economicamente de recursos financeiros deverão se alinhar?

A África dos anos 60 a 90 estava dividida entre os países não alinhados, simpatizantes ao sistema político socialista e os países alinhados a política econômica de seus antigos colonizadores. O mais agravante é que o sistema de governo de algumas das novas nações africanas mal consegue se disfarçar do sistema moderno e universal, a influência do sistema político com base na estrutura étnica e tradicional que ainda persiste. A produção e a sua destinação ainda se enquadram no ciclo de auto-subsistência da maioria dos países africanos. O modo de produção também era e ainda é calcado em monocultura com base no modelo primário exportador. Amin (1977), analisando o sistema fundiário na áfrica esclarece que o processo de expansão da propriedade fundiária estruturada com base no modo de produção colonial tanto na África como na América Latina e Ásia esteve subordinado aos respectivos modelos de exploração, implantados por cada potência colonizadora, e, dependente, portanto, do chamado “exclusivo metropolitano”[3] Portanto, na África independente, o modelo de subordinação da agricultura passa a ser distinto, ou seja, não há ruptura social análoga à verificada em outras partes do mundo, mas apenas a ampliação e o aprofundamento da economia de troca. As funções da sociedade rural resumem-se em: (1) fornecer, acessoriamente, produtos agrícolas baratos, permitindo a redução do valor da força de trabalho nos setores capitalistas.

A terra, apesar da maioria de estados africanos a considerar propriedade coletiva, o seu modo de apropriação é feito com base nos costumes étnicos. Na região onde a religião é da predominância muçulmana, o sistema da administração da terra e da produção que predomina é tipo feudal. Os chefes tribais é que são donos de terras, segundo o legado religioso, os súditos poderão ser meeiros ou simplesmente trabalharem para o chefe em nome da coletividade e depois receberem a parte da colheita que lhes cabe.      

Com relação ao empreendimento (no sentido de negócios) O sistema tradicional baseado em monocultura é direcionado para o tipo de bens que o “mercado” determina. Os pequenos produtores tradicionais enfrentam dois tipos de subordinações: a legal, respaldadas geralmente pelos governos, com base na sua política econômica, sobre a vocação da “produção nacional” e a comercial quando, sem escolha, se entregam aos intermediários. Praticamente, as políticas de garantias ao preço mínimo, sobretudo dos produtos agrícolas, não funcionam, porque entre os pequenos produtores e o mercado estão os intermediários que são donos de meios de transporte ou locatários, portanto, são eles que estabelecem preços de produtos agrícolas.

Ainda assim os países africanos mantinham-se firmes em seus ideais de desenvolvimento. Neste contexto, sob a égide da Organização das Nações Unidas criou-se a Comissão Econômica para a África (CEPA) com a sede em Adis Abeba em Etiópia. No meu entender, diferentemente da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), a CEPA não deve ter se empenhado sistematicamente no incentivo à criação de fóruns acadêmicos que ajudassem a organizar debates em torno dos quais pudessem elaborar teorias econômicas que indicassem rumos para o desenvolvimento dos países africanos. Aliás essa minha reflexão foi colocada à mesa de trabalho da II CIAD, em Salvador, numa das sessões sobre o desenvolvimento econômico e o renascimento africano. A senhora que presidiu a mesa, de sobrenome Quedraogou, concordou com a reflexão apresentada e confessou ter ela participada na Comissão de trabalho sob a égide da CEPA que tratava do estudo sobre o Desenvolvimento Econômico na África, mas que os relatórios finais gerados foram parar nas gavetas e ali permanecidos por motivos de divergências políticas entre os Estados Membros dessa Organização (CEPA). Entretanto a CEPAL, por exemplo, criada sob o mesmo fim, transformara-se em uma escola de pensamento econômico na América Latina, que teve como principal objetivo estudar a desigualdade e pobreza nesse continente. Os trabalhos finais desse estudo vieram a culminar com a nova teoria econômica denominada Teoria da Dependência. Nessa famosa Escola - CEPAL, fizeram parte economistas ilustres, entre os quais, D. Raul Presbich, Alberto Aumada, Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Inácio Rangel, Maria da Conceição Tavares e tantos outros.

A Teoria da Dependência tinha como fulcro a desigualdade no sistema de trocas e essa desigualdade só seria atenuada caso fosse produzida internamente os bens de consumo cujas importações geravam maior peso na balança comercial. Foi a partir daí que se implantou o modelo de substituição de importações. Brasil de imediato aderiu a esse modelo, conseguindo assim dar um salto qualitativo no seu crescimento econômico.

A África com a falência de um modelo de desenvolvimento teve como a saída à política de regionalização econômica com objetivo de criar um mercado regional para se proteger da desigualdade de Termos de Trocas.

 

5. Políticas de Regionalização Econômica

A preocupação e o interesse pelo desenvolvimento dos países então colonizados levou os líderes a se organizarem em torno de propostas para criação de mercados regionais que pudessem não só facilitar a vida econômica dos produtores africanos (agricultores), mas também fortificar as relações econômicas entre os países de cada região. Nesta base, surgiram os primeiros entendimentos para a criação dos Blocos Econômicos Regionais que começaram com CEAO e posteriormente CEDEAO, CILSS, Bacia do Rio Gâmbia, SADC etc. Dado que a maior parte dos países africanos mantêm fortes laços comerciais com as ex-metrópoles, então o rompimento desses laços em favor de uma união de interesses africanos foi legado a terceiro plano.  

 

Surge então uma questão para a reflexão. A quem interessa esta idéia da regionalização se os países signatários continuam sendo dependentes economicamente e tomadores de preços no comércio internacional?

Resposta a esta questão leva a buscar descobrir os entendimentos que se fecham em torno dos interesses econômicos entre os países africanos com as suas ex-metrópoles. Muitos produtos manufaturados importados, por exemplo, da europa para um país africano, acaba sendo reexportados para outros países da comunidade, portanto, isentos de impostos alfandegários. Esse procedimento caracteriza outra transferência de renda desses países para a Europa para além daquela já verificada na diferença entre o preço recebido pela exportação da matéria prima e o preço pago pela importação de produtos manufaturados.

 

6. Avanços e Retrocessos Econômicos (Guerras de Libertação/Civil)

0 impacto da expansão colonial capitalista sobre as regiões dominadas resultou quase sempre no empobrecimento e no subdesenvolvimento em que elas se mantêm até hoje. Em algumas regiões, a indústria local foi destruída por não poder concorrer com a indústria dos países capitalistas adiantados.

Se o colonialismo trouxe o progresso representado por processos modernos de cultivo e de irrigação, e de implantação de infra-estruturas tais como: ferrovias, telégrafos, portos, hospitais escolas, universidades e bancos, também significou muito derramamento de sangue: guerras coloniais, massacres de populações nativas; além de outras causas graves tais como: subalimentação, erosão dos solos, desestruturação de comunidades tribais e descaracterização de culturas. O modo de governar a colônia, bem como o modo de administrar seus recursos contribuiu para uma instabilidade quase que crônica após a independência nos países outrora colonizados. Em outras palavras, O fim da Pax Colonialis, seguida da independência, provocou, em muitos casos, o afloramento de antigos ódios tribais, de velhas rivalidades despertadas pela proclamação da independência, provocando violentas guerras civis (como as da Nigéria, do Congo e, mais recentemente, as da Angola, Moçambique, Ruanda, Burundi, Serra Leoa, Libéria, Somália, Tchade, Sudão, Guiné-Bissau e, mais recentemente  Costa do Marfim).

Essas lutas não só geraram uma crônica instabilidade em grande parte do Continente, mas também contribuíram para afastar os investimentos necessários ao seu progresso. Hoje a África, com exceção da África do Sul, Nigéria e o Quênia, encontra-se praticamente abandonada e a sorte dos interesses internacionais.

As contribuições das técnicas e da ciência ocidentais foram reais, mas cabe perguntar se elas não poderiam ser transferidas sem a dominação política e a exploração econômica.

 

 

 

7. Mudanças na Ordem Econômica Mundial face à queda do Muro de Berlim (Re)Surgimento da Visão Econômica Global

 

O fenômeno Globalização trouxe inovações no mercado e ajudou a consolidar as metas da economia capitalista baseada em economias de escala, economias de escopo, sinergia, integração dos mercados e culturas consumistas, etc;

Sob o Impacto do Livre Comércio, a bandeira da globalização não só integra os mercados financeiros e de produtos proliferando vendas de bens e serviços fatores, como também cria a interdependência internacional, unindo povos de culturas diferentes por uma cultura global que é o comércio. O aumento então da “Classe dos consumidores” passa a estar vinculado à identificação da marca global e à escolha do estilo de vida. Fatores ligados à tecnologia tais como: rede internet, mídias eletrônicas; telefones celulares, outdoors, roupas, marcas e patentes passam: a influenciar a cultura local e modificar o modo de falar e de se comportar, sobretudo dos jovens; a determinar a competição em lugar de ajuda mútua; a criar expectativas de consumo não correspondidas a cada instante da produção, cultura de desperdícios, risco de homogeneidade global;

Enfim, proporcionam o aumento do espaço às nações de economias mais desenvolvidas.

 

 

8. Considerações finais: qual o modelo ideal para a África?[4]

Este questionamento é um pouco difícil de responder sem a prévia constatação dos dados macroeconômicos que levem ao entendimento sobre a dimensão da dependência econômica do continente africano. Esses dados são mostrados na tabela a seguir.

 

 

 

 

INDICADORES ECONÔMICOS DE ALGUNS PAÍSES DA ÁFRICA, 2004

 

País/Indicadores

Hab

(106)

Área

(103)

ΔPIB

%

RSERV.

(109)U$S

DIV.EXT.

(109)U$S

Angola

14,3

1,246

1,5

8,45

9,2

África do Sul

45,7

1,219

1,9

6,5

5,9

Gabão

1,3

0,268

1,2

0,149

3,3

Guiné-Bissau

1,3

0,036

4,5

0,070

nd.

Moçambique

18,9

0,799

7,0

0,818

1,0

Namíbia

1,9

0,824

3,0

0,323

0,623

Nigéria

140,0

0,924

3,8

9,9

29,1

Senegal

9,8

0,197

5,6

0,425

nd.

São Tomé e Príncipe

0,140

0,001

5,0

0,024

nd.

Fonte: SISCOMEX, 2004.

 

 

Quando se visualiza este quadro e se faz uma leitura crítica sobre o desempenho econômico desses países, bem como de suas riquezas em reservas financeiras, alguns questionamentos vêm a tona:

Como é possível o desenvolvimento na África quando o que se deve é maior do que se tem? Qual é comprometimento dos políticos africanos com o estado de Bem-Estar (Welfare State) se ainda persiste no modo de governar deles a solução de continuidade? Certamente, em termos políticos, a decisão pessoal do grupo que governa sobrepujará a legitimidade da Carta Magna. Em termos de sobrevivência econômica, os países africanos, sob  a administração desses governantes apenas, se preocuparão em trabalhar para pagar o serviço da dívida como forma de garantir mais entrada de recursos financeiros, talvez seja essa a explicação sobre a variação positiva do PIB de alguns países, acima da média mundial, como mostra o quadro. Apesar de alguns países africanos terem suas dívidas perdoadas, a necessidade de aporte complementar de recursos para financiarem a máquina administrativa e governamental continua sendo o ponto de estrangulamento de suas economias. Nesta base, nem a visita periódica e sistemática do FMI passa ser a solução para esses países.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

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BARAN, A. PAUL. Economia política do desenvolvimento, 4ª ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1977, p. 74

 

 

BRESSER-PEREIRA. L. C. O Conceito Histórico de Desenvolvimento Econômico, 2006.

 

CLARK. E. - (GSCC) Economic Systems. Palestra apresentada na FVC, Salvador/BA, 2005

 

DOMINGUES, R. Conceito e Medição de Desenvolvimento Sócio Econômico. www. Ronalddomingues, com.Br, 2004

 

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GALBRAITH, J. K. O Novo Estado Industria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968

 

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SHUMPETER,J.A. The Development Economics. Oxford: Oxford University Press. 1961

VALDÉS, A, SCHIFF, M. The plundering of agriculture in developing countries. Washington: The World Bank, 19992. 211p.


 

[1] Palestra proferida na ocasião da realização do I Encontro Internacional do Programa dos Estudantes do Convênio da Graduação PEC-G

[2] Diretor do Centro de Pós-Graduação e Pesquisa Visconde de Cairu – CEPPEV. Titular da Cátedra nº 335 da Academia Brasileira de Ciências Econômicas Políticas e Sociais.

[3] A especialização imposta pelo regime colonial que determinava que as colônias produzissem em função das necessidades da metrópole.

[4] Esta questão insere-se na preocupação que se tinha e ainda se tem sobre a identificação, ou melhor dizendo, a afinidade de alguns países africanos aos modelos políticos vigentes na época da guerra fria (Capitalismo x Socialismo). Esta situação se agrava ainda mais com a Globalização, ainda que nenhum desses se identifica mais com o seu passado da economia política.


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