A Esperança nasceu há trinta e cinco anos

(Ponto de Vista)

 

 

 

Por: Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo *

 

rjogos18@yahoo.com.br

Rui Jorge Semedo

29.09.2008

 

 

Palavras, palavras, palavras…

“Shakespeare”

 

No passado 24 de Setembro uma grande maioria dos guineenses, mais uma vez, lembrou com muita angústia o aniversário da “independência” da Guiné-Bissau. Digo isso, porque não é incomum entre guineenses o reconhecimento de que, apesar da proclamação do Estado, este País nunca se libertou da condição sub-humana a que era submetida durante a colonização. Existem boas razões para afirmarmos isso; se partirmos da ideia de que a liberdade significa direitos e oportunidades reais que as pessoas têm para construir seu bem-estar e da sociedade a que pertencem, sendo que na Guiné-Bissau, esse propósito é historicamente negado aos cidadãos. Por isso, seria melhor considerar que houve apenas uma transição do poder para as mãos dos “tugas di terra” que, infelizmente, não conseguiram fazer os guineenses esquecer a época colonial.    

Este ano, o que marcou esta comemoração foi o discurso do presidente da República, General Nino Vieira. Na sua mensagem à Nação muita coisa merece observação, mas, a que destacamos no título, no nosso ponto de vista, deve merecer uma observação especial. Pois, sem qualquer pretensão de ocultar erros que foram cometidos logo nos primeiros sete anos de independência, como o fuzilamento dos comandos africanos e colaboradores da PIDE/DGS, entre eles, alguns chefes tradicionais, podemos dizer que havia uma luz de desenvolvimento ao fundo do túnel. Entretanto, a partir de 1980 com os acontecimentos do golpe de Estado de 14 de Novembro e subsequentes acontecimentos, esta luz que de longe todos observavam com alguma esperança, aos poucos, começou a desaparecer de forma dramática. E hoje podemos considerar a Guiné-Bissau como uma criança que nasceu saudável e aos sete anos de idade ficou paralítica. Dada a profunda debilidade do seu estado económico-social, hoje seu movimento depende da “duvidosa ajuda” de parceiros como Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, União Europeia, União Económica Monetária Oeste Africana, etc.  

A evidência de que os guineenses estão condenados a não sonhar com um futuro melhor esteve presente no tímido discurso do presidente. Principalmente, na dificuldade em reconhecer o que hoje é o nosso país, que reflecte na própria cumplicidade no infeliz trajecto ao longo dos anos. Apenas se limitou a falar de forma superficial em alguns casos, como o da cólera, do narcotráfico e o da próxima eleição legislativa. Ao falar desta última o presidente repetidas vezes pediu civismo à sociedade civil, no entanto, esqueceu que este grupo por excelência é o único actor com senso de democracia no país. Uma das provas é o alto índice do comparecimento às urnas em todas as eleições, mesmo sabendo que votar não é obrigatório. Além do mais, mesmo no período de campanha eleitoral a atitude cívica sempre prevaleceu no comportamento da sociedade civil. A nossa indignação, é que o presidente em nenhuma altura frisou o nome das Forças Armadas e Partidos Políticos, instituições que no momento são os maiores perturbadores da ordem democrática, tanto que pelo histórico, nenhum presidente e governo conseguiram até hoje terminar os seus mandatos.

Pois, esperávamos do presidente um discurso baseado numa radiografia sobre o país; seus avanços, problemas e perspectivas a curto, médio e longo prazo. Porque quando se afirma que “A esperança nasceu há trinta e cinco anos”, o sensato é apresentar um quadro que mostrasse que essa esperança avançou ou regrediu. No momento actual pouco importa a oportunidade que alguém teve de ser o proclamador do Estado ou de ser quem mais atirou nos colonialistas portugueses. Importa portanto, a capacidade administrativa de fazer a cada um dos guineenses, mesmo os que estão nos confins do nosso território ou fora dele, sentir a presença do Estado no seu quotidiano. O que quer dizer essa presença do Estado? É um conjunto complexo de acções consignadas na lei a que o Estado deve garantir aos seus cidadãos, independentemente de sua origem social, crença religiosa e cor partidária.

É uma mera hipocrisia as pessoas continuarem a pensar que o cenário que actualmente temos no país é o resultado da guerra de 7 de Junho. Obviamente que isso contribuiu e muito, mas não ao ponto de a tomarmos como tese do caos que vivemos, se não indagamos: Quantas indústrias e empresas público-privadas tinham no país antes e depois dos acontecimentos de 7 de Junho? Como era a situação salarial dos servidores públicos? Como eram as situações da educação, saúde, agricultura, segurança, energia, finanças públicas, do emprego, saneamento básico etc. e como são agora? Como funcionava a administração pública e como funciona hoje? Não precisamos de nenhum especialista para termos a certeza que as coisas pioraram, mas isso aconteceu não só porque em Junho de 1998 um grupo de criminosos e corruptos assaltaram o poder constitucional. Não, não é exactamente isso! O estado em que hoje nos encontramos é nada mais, nada menos, resultado de um processo mal gerido que evoluiu de forma natural a ponto que agora parece estar fora de controlo. E uma das origens está no sistema implantado após o 14 de Novembro de 1980 que, além de ser a primeira violação da ordem constitucional no país, criou a patologia que hoje não consegue diagnosticar e tão pouco reconhecer a sua incapacidade em contornar a situação.

Na nossa opinião, e acredito que na da maioria dos guineenses, o presidente no seu discurso ignorou a profunda realidade catastrófica da sociedade guineense, entre as quais, do elevado índice de desemprego, da instabilidade no pagamento de salários aos servidores públicos, do baixo índice do desenvolvimento humano e da paralisia funcional do país em todos os sectores. Com toda a sinceridade e respeito, os guineenses mereciam escutar um discurso digno dos seus problemas, sofrimentos e, sobretudo, onde o presidente teria a coragem não só de assumir as suas responsabilidades, mas de assinalar as preocupações do Estado em melhorar a qualidade de vida dos guineenses.

Com trinta e cinco anos de independência não fizemos nada a não ser brincar, tanto que o reflexo da brincadeira está presente na composição do actual governo de iniciativa presidencial liderado pelo Engo Carlos Correia. Pior de tudo, é que de antemão fora criada uma falsa explicação de que é um governo de curta duração com apenas três prioridades: preparar eleições, pagar salários e organizar as instituições. Como podemos perceber, não só este governo como qualquer outro tem as suas prioridades, o que não quer dizer que vai abdicar de assumir as suas responsabilidades. Diante disso, qualquer governo precisa de um elenco com reconhecidas qualidades administrativas, contrariamente, neste há pessoas que em trinta e cinco anos participaram de inúmeros outros governos, e que se pararmos para observar o que têm feito, apenas observaremos a ruína do que hoje é a Guiné-Bissau. O que marca a vida de qualquer político e/ou administrador são as suas obras, neste sentido, tirando a suposta brilhante participação na luta pela independência do presidente Nino Vieira, que obras podemos apontar como um grande legado que ele deixará aos guineenses? Da nossa parte, resta-nos apenas desejar um feliz aniversário à pátria que nos viu nascer, apesar de saber que ela vive sob intensa amargura imposta.   

 

 

*Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil

 


 

 

NOTA DO EDITOR:

 

Uma análise brilhante de um jovem (quadro/promessa) que conhece, estuda e acompanha os problemas do seu país!

 

 Uma leitura fácil sobre um discurso pobre; ou como a capacidade de raciocínio dos nossos jovens demonstra cada vez mais, a diferença entre competência e mediocridade com relação aos que teimosamente continuam a querer eternizar-se no poder, sem mesmo saberem o que é o poder na sua verdadeira concepção.

 

Parabéns Rui Jorge, pela lucidez e coragem que sempre te acompanharam!

 

O caminho é este, continuemos a caminhada, que chegaremos ao destino!

 

Vamos continuar a trabalhar!

Fernando Casimiro (Didinho)

didinho@sapo.pt

29.09.2008


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