A Democracia é Mais que a Eleição: A Guiné-Bissau

Está Disposta a Romper Com o Passado Autoritário Para

Construir um Estado Democrático?

 

 

 

 

Por: Ricardino J. D. Teixeira[1]

Ricardino Dumas Teixeira

ricardino_teixeira@hotmail.com 

28.08.2008

 

Cresce cada vez mais o número de pessoas que questionam as instituições democráticas da Guiné-Bissau. Todos argumentam que elas não funcionam, ou funcionam com muita deficiência. Isso é inquestionável. Recentemente assistiu-se a mais um escândalo no país. Trata-se desta vez dos guardiões da Constituição e da Lei que decidiram com base na análise “técnica” emitir um alvará de soltura que facilitou a fuga de quatro indivíduos indiciados pela Procuradoria-Geral de tráfico internacional de droga.  

É preciso uma limpeza urgente em nossa política, em nosso tribunal, em nosso modo de conceber a democracia, em nossa maneira de escolher e eleger os nossos representantes na casa legislativa e no Governo para representarem as instituições da República. A sociedade não pode continuar impedida de exercer o seu direito de conhecer os verdadeiros traficantes, que utilizam a máquina do Estado e parte do território nacional para atos corruptos e ilícitos. Todo cidadão tem direito a uma justiça digna e responsável.

Não podemos almejar a democracia, o Estado de Direito e a “unidade nacional” enquanto tudo não for esclarecido e limpo, enquanto prevalecer o espírito de impunidade que se sedimentou no país. Chamo República de rabo preso à República da Guiné-Bissau. Somos uma República de rabo preso, pois a memória negativa do passado da luta de libertação nacional e as práticas recentes do exercício do poder e da autoridade legal da classe jurídica, castrense e política - em especial dos líderes de partidos políticos - são incompatíveis com as mudanças do sistema social e do sistema político global da atualidade. Entre elas, destacam-se: a expansão do espaço público, o renascimento da sociedade civil, o aperfeiçoamento dos mecanismos de prestação de contas (accountabillity), o controle da sociedade política pela sociedade civil e o acesso à justiça. 

Discordo daqueles que afirmam que o problema da democracia na Guiné-Bissau é a pobreza, ainda que não a exclua. Questiono se essa é a principal razão de tamanha corrupção e enriquecimento fácil. Se, por um lado, existe uma correlação estatisticamente significativa entre a democracia e o crescimento econômico, por outro, a sociedade civil e a sociedade política com boas lideranças exercem papel importante no exercício de cidadania ampla e igualitária e maior equidade entre os indivíduos, que garante a sociedade civil os direitos sociais e econômicos, jurídicos e políticos. Esse argumento aproxima-se de PRZEWORSKI, quando afirma com bastante propriedade que:

 

 ....Quanto maior for a percentagem da população nos assuntos de governo, maior é a chance da democratização do regime [...] Acrescenta: a combinação de direitos coletivos com os de minorias em uma sociedade, com os direitos dos indivíduos plenamente reconhecidos, é a maneira mais fácil de articular a dimensão política e dimensão social da democrática (PRZEWORSKI, 1989, p.26-27).

 

A combinação dessas duas dimensões – social e política (que não exclui a jurídica) - dependerão da capacidade dos líderes no governo de construir um modelo de sociedade capaz de mudar a qualidade de vida da maioria da população e de incluir as minorias na tomada de decisões. No caso guineense, a falta de liderança é uma das causas dos insucessos do país, desde o assassinato do nosso intelectual teórico-pragmático, Amílcar Cabral, o único que possuía um projeto de nação. Precisamos de boas referências como a de Cabral, boa educação, boa informação, para construir um Estado democrático de Direito, que vai além do seu sentido estrito formal. Nesta perspectiva, o Estado democrático de Direito não se restringe às leis jurídicas, nem tão pouco se restringe às regras institucionais; é força social e política cujos elementos constitucionais, legais e parlamentares colocam em ação três princípios fundamentais, conforme TOURAINE:

 

... a limitação do poder do Estado em nome dos direitos fundamentais; a representatividade social dos atores e a cidadania política. Assim, a democracia pode ser definida como a mediação institucional entre o Estado e a sociedade civil (TOURAINE, 1996, p.103. Grifo nosso).

 

Na Guiné-Bissau não houve um equilíbrio de poder entre a sociedade civil e sociedade política. Mesmo tendo demonstrado o interesse para uma maior representação e participação no mundo político, as organizações da sociedade civil enfrentaram limites com a estrutura centralizadora dos sucessivos governos. Apesar da tentativa de centralização do espaço político por parte da sociedade política e à miséria que avança sobre o país (desafios que o próximo governo terá que enfrentar), não devemos perder a esperança de dias melhores, de um país mais justo, desde que os guineenses estejam dispostos a romper com a herança negativa do passado profundamente marcado pela perseguição política e controle governamental acompanhada de matanças arbitrárias de adversários – quando se trata principalmente da luta pelo poder permeado de favores interpessoais e discursos de cunho étnico como forma de chegar ou se manter no poder, privilegiando-se os “quadros” da escola do partido ou da origem regional e étnica do líder do partido vencedor, para assumirem os cargos no governo e representarem as instituições do Estado.

O atual contexto da expansão dos valores democráticos pelo mundo exige mais que uma eleição; exige a educação, a competência, a pesquisa científica e o trabalho árduo. Não mais discursos retóricos da democracia minimalista e eleitoralista, mas o seu exercício verdadeiro e pleno. O presente momento político, social e jurídico exige-nos uma reforma moral e intelectual, do tipo micro-revolução, em cada cidadão guineense. Manter-se discente e ético na atividade política e econômica do país - a começar pelas nossas famílias – deve ser parte integrante de qualquer sociedade que pretende desenvolver-se. Insisto: precisamos urgentemente romper com a herança negativa do passado corruptor e ditador para defender as regras da ética democrática.

 Isso porque ainda acredito que, apesar do atual contexto pouco animador que existe na Guiné-Bissau, os guineenses podem usar o atual momento da crise para se desfazerem da herança negativa do passado, para ampliar a nossa participação no debate público, assumir de vez o papel e o compromisso em relação o nosso país. Não deixe de assumir esse princípio ético-democrático, sobretudo a juventude que sempre teve, no decorrer da História, um papel importante nas grandes transformações globais e locais.

 

Bibliografias.

 

PRZEWORSKI, Adam. Como e onde se bloqueiam as transições para a democracia? In: MOISÉS, José e ALBUQUERQUE. Dilemas da consolidação da democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 19-20.

 

TOURAINE, Alain. O que é a democracia. Rio de Janeiro: Vozes, 1996, p. 19-22.

 

[1] Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor de sociologia na Faculdade de Ipojuca - Brasil

 


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