A DEMOCRACIA E AS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS NO ESTADO MODERNO

 

Arnaldo Sucuma *

arnaldoarsu@yahoo.com.br

02.03.2011

Arnaldo SucumaO presente artigo apresenta os paradoxos do debate acerca da democracia, tendo em vista que esta envolve diferentes concepções e matrizes teóricas. De certa forma, esse pluralismo de idéias contribui para o amadurecimento da concepção da democracia enquanto práxis. Vale ressaltar que o direcionamento assumido nesta reflexão centraliza-se na idéia de democracia direta participativa.

O processo democrático deve ser entendido como espaço de participação ativa na gestão pública.  Por isso mesmo, democracia apresenta-se como o sistema sócio-político institucional que permite uma escolha e tomada de decisões políticas com base na igualdade de direitos, na liberdade de opinião e na participação.

A modernidade trouxe muitas visões, hoje já clássicas, sobre democracia, principalmente a concepção burguesa baseada na manutenção da propriedade privada e das liberdades individuais, e a concepção proletária, divulgada nos textos marxistas, que clama pela democracia direta e pela propriedade coletiva.

 

Como dizia Gramsci (1994, apud MARTINS, p. 23-24), existem dois tipos de democracia, a proletária e a burguesa, que se excluem reciprocamente, não podendo, portanto, coexistirem no mesmo espaço. De fato, obviamente, não há possibilidade de coexistência simultânea de dois sistemas políticos diferentes com ideologias opostas.

 

O conceito de democracia é repleto de complexidade, tanto na democracia burguesa como na democracia proletária marxista.

 

Por exemplo, pode-se constatar que dentro do Marxismo existem várias tendências sobre democracia. Parte dos marxistas, como os clássicos, defende a democracia proletária, outra sugere uma democracia mista, que inclui a burguesa e a proletária. A terceira tendência recusa tanto a burguesa como a proletária, e opta por uma democracia socialista (MARTINS, 1994, p. 28).

 

Essa complexidade pode ser percebida também no embate de idéias entre o sistema democrático burguês e o proletário. O primeiro defende a separação de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), e o segundo nega a divisão dos mesmos (Executivo e Legislativo) e faz opção pela sua junção, negando a separação entre o Estado e a sociedade.

 

A proposta democrática marxista é feliz em afirmar que não se pode separar o Estado da sociedade. Aliás, a sociedade também constitui parte do Estado; sem ela, seria impossível a existência deste. Entretanto equivocou-se ao defender a não-separação entre o poder Executivo e o Legislativo, por entender que a separação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário é fundamental para o processo democrático em termos de qualidade de gestão administrativa e de autonomia das instituições democráticas do Estado moderno. Segundo Montesquieu (WEFFORT (org.), 1989, p. 119), é “condição para o Estado de direito, a separação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e a independência entre eles”.

 

Entende-se por Estado o conjunto de instituições democráticas que possuem suas autonomias, e Governo, o órgão de Estado encarregado de administrar o conjunto das instituições estatais, em caráter temporário.

 

Durante os séculos XIX e XX, tanto o sistema político democrático burguês como o proletário representado pelo socialismo real, através de seus governos, apoiaram os regimes autoritários e ditatoriais na América Latina e América Central. O mesmo também se fez na África a partir da segunda metade do século XIX até o XX. E essas atitudes vão de encontro aos princípios democráticos. Por esse motivo, pode-se dizer que nenhum desses métodos políticos é perfeito.

 

Os defensores da democracia burguesa acreditam que a democracia representativa é a única que consegue garantir a participação do cidadão, de forma efetiva, em grandes sociedades populosas.

 

Apesar da democracia representativa ser considerada um grande avanço da humanidade, ela inclui também, paradoxalmente, o mecanismo que restringe a participação direta da população no processo democrático. Um exemplo claro: quando os cidadãos têm que delegar necessariamente suas decisões para os seus representantes políticos. Segundo Dahl (1988, apud SANTOS (Org.), 2005, p.48):

 

Quanto menor for uma unidade democrática maior será o potencial para a participação cidadã e menor será a necessidade para os cidadãos de delegar as decisões de governo para os seus representantes. Quanto maior for a unidade, maior será a capacidade para lidar com problemas relevantes para os cidadãos e maior será a necessidade dos cidadãos de delegar decisões para os seus representantes.

 

No século XX, e mais intensamente na sua segunda metade, desenvolveu-se um grande debate sobre a democracia, devido às grandes ondas de revoluções, tais como a revolução Russa e a Cubana, baseadas na proposta marxista. Esse debate contribuiu para que se evidenciassem melhor as diferentes concepções e práticas democráticas hegemônicas e contra-hegemônicas. A teoria liberal-democrática, defendida pelos liberais burgueses, caracteriza-se pelo seu caráter minimalista e elitista, em que a questão democrática se resolve apenas pela manutenção da estrutura e procedimentos que garantam a renovação periódica da delegação de poder por parte dos cidadãos comuns a uma elite governante.

 

Apresenta-se como hegemônica, mas confronta-se permanentemente com teorias e práticas contra-hegemônicas – já não apenas aquelas vinculadas ao marxismo, mas várias correntes teóricas, em geral inspiradas pelos movimentos sociais populares, que propõem a democracia como um processo em desenvolvimento constante para, cada vez mais, partilhar o poder com toda a sociedade, ultrapassando os limites elitistas e formais da democracia representativa liberal em direção a uma ampliação cada vez maior dos espaços e mecanismos de democracia direta.

 

Durante o período de consolidação da teoria hegemônica liberal democrática, na segunda metade do século XIX, intensificou-se também a formação da corrente contra-hegemônica (SANTOS (Org.), 2005 p. 50).

 

As duas correntes possuem uma convergência em torno do conceito de democracia. Na teoria hegemônica, a população tem possibilidade de escolher seus representantes, mas não consegue exercer um controle sobre suas ações políticas. Entretanto a concepção contra-hegemônica propõe uma nova linha da concepção democrática que permite o reconhecimento da diversidade humana, social e cultural, dentro de uma inovação social e democrática que permita a participação ativa da população. Na implementação prática das duas teses, existe possibilidade de a população ser manipulada, por causa da dinâmica complexa da democracia.

 

A percepção de Santos e Avritzer sobre a democracia nos ajuda a entender a dimensão da democracia debatida pelas duas teorias. Segundo ele, “a democracia é uma forma sócio-histórica e (que) tais formas não são determinadas por quaisquer tipos de leis naturais” (SANTOS e AVRITZER, 2005, p. 51).

 

Dessa forma, entende-se por democracia o sistema sócio-político institucional que permite uma escolha e tomada de decisões políticas nos âmbitos social, estatal, governamental e administrativo, com base na igualdade de direitos, na liberdade de opinião e na participação.

 

Nessa ótica, o processo de democratização é entendido como acesso de qualidade aos bens e serviços, participação ativa na política do Estado e governo e, finalmente, acesso à informação.

 

Na sociedade contemporânea, fala-se muito na democracia, que se apresenta como uma unanimidade. Porém, freqüentemente, as práticas dos dirigentes políticos e outros sujeitos políticos são bastante excludentes, como se constata através do crescimento da pobreza e miséria no mundo e da baixa intensidade das medidas políticas e econômicas dos estados nacionais. Nesse sentido, os países “subdesenvolvidos” sofrem mais com esse dilema, porque nem mesmo o procedimento democrático formal está consolidado nesses países. Portanto, fala-se mais em democracia do que na sua efetivação prática, em termos de qualidade e de acesso aos bens e serviços básicos.

 

Ressalta-se a questão das instituições e de sua importância fundamental para o funcionamento do Estado e do Governo dentro do processo democrático.

 

Historicamente, o Homem criou a primeira instituição quando percebeu a necessidade de separarem as tarefas desenvolvidas pelo homem e pela mulher. Acontece que a institucionalização não se limitou somente à família, tomou também uma dimensão na política, educação e economia, entre outros setores. Ela é um espaço que agrega diferentes grupos sociais dentro da sociedade civil organizada. Segundo Oliveira (S/d, p. 24):

 

Entendemos por instituição um espaço de prática, sob forma pública ou privada, para atender às demandas da sociedade civil, funcionando como mecanismo regulador das crises do desenvolvimento capitalista em todos os níveis, transversais a toda sociedade ao servirem de veículos de bens e serviços, transformando as relações sociais em relação de compra e venda.

 

O conceito de instituição tornou-se complexo ao longo do tempo, porque aumentaram os tipos de necessidades humanas, sobretudo com a chegada da modernidade. A sua estrutura é formada por pessoas que compartilham idéias e valores comuns, como criar uma instância política que atenda a seus anseios.

 

Assim, entende-se por instituição um órgão social e político com delimitação de funções e regras de funcionamento utilizadas pela sociedade como um método regulador para satisfazer suas necessidades. Considera-se a prática institucional como o conjunto de diversas ações técnicas ou não que permitem o funcionamento da instituição.

 

Com essa conceituação de instituição, permite-se falar nas relações institucionais. A convivência de diferentes grupos sociais ou classes dentro de uma instituição demonstra a complexidade dessas relações, que envolve uma permanente disputa pelo controle do poder e a manipulação de uma classe sobre a outra, o que Gramsci caracteriza como “guerra de posição”. Esse cenário implica uma dada correlação de forças dentro do sistema hegemônico (GRAMSCI, 1977, p. 77, In Hugues Portelli, 2002 1977).

 

Portanto, a prática institucional é atravessada por essas relações conflituosas dentro da instituição. No caso da Defensoria, trata-se de um desafio, especialmente para o assistente social, que, com base numa análise da totalidade social que inclui Estado, Instituição e Sociedade, encontra caminhos para desenvolver um trabalho que atenda às demandas dos usuários.

 

Na atuação dos profissionais, a prática profissional não pode ser isolada e independente da conjuntura em que acontecem as relações contraditórias, como as instituições estatais e organizações sociais nas quais trabalham, exigindo-se o desenvolvimento de um trabalho que contribua para melhorar a relação do usuário com a instituição (OLIVA, 1987).

No seio do processo democrático, as instituições constituem pilares fundamentais da democracia, que é um valor construído historicamente pela humanidade. A democracia como valor é uma unanimidade, apesar de apresentar várias tendências ideológicas em diferentes países.

Com base nessa reflexão teórica, considera-se valor toda concepção humana que tenha legitimidade, seja aceita e compartilhada pela sociedade.

 

Em suma, apesar de muitos avanços alcançados no âmbito da construção e tentativa de consolidação da democracia no mundo, sobretudo nos países mais desenvolvidos e industrializados, a sociedade contemporânea está longe de atingir a plenitude democrática, uma vez que nem mesmo o procedimento democrático formal está consolidado em algumas instâncias , apenas existindo no discurso dos falaciosos agentes políticos. Portanto, fala-se mais em democracia do que se luta para sua efetivação na prática, em termos de qualidade e de acesso aos bens e serviços básicos, dentre esses acesso a serviços de saúde de qualidade, saneamento básico, educação, assistência jurídica e outros. Atualmente, a democracia participativa constitui uma alternativa para os países em vias do desenvolvimento, porque permite a construção e democratização dos espaços públicos. Como também ajuda na responsabilização direta dos cidadãos na gestão e fortalecimento das instituições republicanas.

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

MARTINS, Carlos Estevão. Circuito do Poder. São Paulo : Entrelinhas, 1994.

 

PORTELLI, Hugues. Gramsci E o bloco histórico. 6ª Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

 

OLIVA, Maria Herlinda Borges. Política de Estado e Prática Social. São Paulo: Cortez, 1987

 

OLIVEIRA, Ana Cláudia Falcão. Análise Institucional do Hospital Universitário Lauro Wanderley: com parâmetros nos anos 80.

 

SANTOS, Boaventura de Sousa; AVRITZER, Leonardo. Introdução: para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (org). Democratizar a Democracia: os caminhos da democracia participativa. 3 Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

 

WEFFORT, Francisco C. (org). Os Clássicos da Política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, “O Federalista”. São Paulo: Editora Ática. 1º vol., 1989.

 

 

 

* Mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE/Recife-Brasil. Escritor, e Coordenador do movimento cívico Bissau - guineense: Associação Força Guiné (AFG).

 

 

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