A OUTRA FACE DA MOEDA

 

 

 

Por: Fernando Casimiro (Didinho)

09.12.2006

 

DEVE-SE SENSIBILIZAR AS POPULAÇÕES E EM SIMULTÂNEO, RESPONSABILIZAR OS GOVERNOS AFRICANOS!

 

Hoje vou partilhar convosco os meus pontos de vista sobre uma notícia publicada a semana passada pela Panapress e que se relaciona com o fenómeno da emigração de jovens africanos para o continente europeu.

Gostaria de poder concordar em absoluto com os propósitos da campanha mundial lançada por várias ONGs no sentido de se desencorajar a partida maciça de jovens africanos para a Europa nas condições em que isso acontece e que tem provocado elevadas perdas de vida.

Estou de acordo que se deve sensibilizar os jovens africanos para os riscos dessas aventuras, mas, estou em desacordo com a estratégia definida para esta campanha de sensibilização.

Todos nós, oriundos de África e hoje residentes na Europa, nas Américas, na Ásia e Oceania tivemos razões e motivos de fundo, que nos guiaram na decisão de irmos à procura de um abrigo mais seguro e acolhedor do que aquele que tínhamos em África.

Cada um pode pormenorizar os seus motivos e razões achando que não se relacionam, por exemplo, com o fenómeno preocupante a que hoje todos assistimos.

O certo é que uns e outros tiveram condições para partirem legalmente e uns e outros não tiveram, não têm tido condições para partirem legalmente.

Quando a tentação nos invade o pensamento arriscamos por vezes sem reflectirmos nas consequências dessa tentação, mas que importa se a morte nos chega numa embarcação obsoleta às portas da Europa ou simplesmente nos bate à porta nas nossas aldeias em África?

Não será antes que, muitos jovens africanos ao lançarem-se desesperadamente em busca de outros horizontes, estarão a querer fugir da própria morte a que estão condenados em África por (várias) razões sobejamente conhecidas?

Não quero, desta forma, justificar ou apoiar uma atitude em desespero de causa, mas penso que se deve abordar esta questão com mais racionalidade, tomando como ponto de partida as nossas próprias experiências, nós que estamos do lado de cá.

Porque lançar uma campanha de sensibilização destinada aos jovens africanos, sem ter em conta o que lhes faz pensar em sair de África?

Porque não relacionar esta atitude desesperada e quase sempre irreflectida (a nível de consequências), com a miséria, a fome, as ditaduras, ausência de estratégias de desenvolvimento que negativamente colocam África nos lugares cimeiros?

Porque não criticar as governações africanas, que se baseiam no interesse pessoal dos governantes ao invés da melhoria das condições de vida das populações africanas?

Será que em finais de 2006 ainda devemos continuar a atribuir, de forma generalizada, os problemas de África à colonização?

Deve-se sensibilizar os jovens para os riscos que correm nas aventuras marítimas de chegarem à Europa, mas deve-se exigir que sejam criadas melhores condições em África, condições que sirvam os interesses das populações e os motive a se fixarem nas suas localidades, trabalhando para o seu bem estar.

Não houve da parte das ONGs nenhuma chamada de atenção (digna do termo) aos governos africanos, não serão os governantes africanos parte deste problema?

Porquê a referência na criação dos Estados Unidos de África como solução para o problema da emigração de jovens africanos?

As actuais instituições continentais africanas não servem de exemplo da má estruturação consequente da instrumentalização do poder político às estruturas que deveriam servir o continente em vez de servirem os senhores do poder?

Os africanos que estão no grupo dos que promoveram esta campanha, que inclui a Federação dos Trabalhadores Africanos em França,  já questionaram a eles próprios porque estão a viver e a trabalhar na Europa?

Já questionaram porque é que ainda continuam a viver e a trabalhar na Europa e não regressam a África?

Deixemos de moralismos e defendamos soluções concretas que permitam não só mecanismos legais com maior flexibilidade para que o fenómeno da emigração não seja uma tentação desesperada, mas também, que o retorno/regresso dos quadros africanos aos seus países seja uma realidade que vá contagiar os que querem partir a sentirem-se confiantes de que se há regressos é porque a situação está melhor em África!

Num texto escrito em Setembro passado "ÁFRICA DEVE CRIAR MELHORES CONDIÇÕES ÀS SUAS POPULAÇÕES" alertava para os seguintes pontos importantíssimos na abordagem do fenómeno da emigração:

Dados recentemente divulgados dão conta do seguinte:

"De acordo com um estudo da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), as perdas ligadas à fuga de cérebros representam para África 35 biliões de dólares americanos."

 

"De acordo com um estudo do Banco Mundial, os trabalhadores imigrados transferiram em 2006 para os seus países de origem a soma colossal de 300 biliões de euros, estando a parte dos africanos estimada em 124 biliões de dólares americanos."
 

Se a fuga de cérebros representa para África uma perda de 35 biliões de dólares americanos, num continente cada vez mais pobre em recursos humanos devido a essa fuga de cérebros e de quadros de toda a espécie, porque razão os governos africanos não incentivam o regresso dos seus compatriotas que se encontram no exterior?

Porque razão os governantes africanos consideram, sem admiti-lo, uma afronta, o regresso de quadros ao continente?

Afinal os que regressam não devem ser considerados mais valias que com as suas experiências, capacidades e mentalidades devem contribuir para a mudança positiva, rumo ao desenvolvimento do continente?

Porque continuam os governantes africanos a negar melhores condições às populações, senão para fomentar a partida dos desesperados e adiar o regresso dos que estariam em condições de mudar o rumo das coisas em África?

Dos 124 biliões de dólares americanos transferidos por trabalhadores imigrantes africanos em 2006, que aproveitamento se fez de tanto dinheiro enviado para ajudar sobretudo as famílias?

Há registos do dinheiro que é enviado para África, seja da Europa, das Américas, da Ásia  e da Oceania, mas e o inverso?

Não serão essas remessas enviadas que na maioria das vezes voltam a sair do continente para as contas pessoais dos governantes africanos um pouco por todo o mundo através de operações estrategicamente montadas?

É que as famílias africanas continuam na sua maioria pobres, com fome, vulneráveis a todo o tipo de doenças, sem meios para custearem a educação dos seus filhos, enfim... mesmo utilizando essas remessas, onde é que se encontram os vestígios desse esforço dos que estão do lado de cá e que com essas ajudas aliviam as responsabilidades dos governantes africanos, bem como lhes sustentam sem saberem...

Haja coragem na abordagem dos problemas!

ONG lançam em França campanha contra emigração de jovens africanos

 

Paris, França (PANA) - Várias Organizações não Governamentais (ONG), incluindo a Federação dos Trabalhadores Africanos em França (FETAF) e a União Internacional dos Jornalistas Africanos (UIJA) lançaram no fim-de-semana, em Paris, uma campanha mundial destinada a desencorajar a partida maciça de jovens africanos para a Europa, constatou no local a PANA.

"Não podemos continuar inactivos diante dos espectáculos que afligem estes jovens africanos que enfrentam a morte em embarcações obsoletas, na tentiva de chegar à Europa", declarou durante a cerimónia de lançamento o presidente da UIJA, Lanciné Camará.

Indicou que a campanha vai prosseguir com conferências públicas em várias capitais africanas incluindo Dakar e Bamako e em cidades europeias como Londres, Madrid e Roma.

A representante da FETAF na cerimónia, Sidi Gaye, estimou por seu turno que a partida maciça de jovens africanos não pode encontrar soluções senão "na construção dos Estados Unidos de África".

"É preciso ler nestas tentativas de penetrar o Ocidente, custe o que custar, o sinal de desespero. Nenhum país africano pode sozinho fazer face à globalização selvagem. Devemos acelerar a construção dos Estados Unidos de África, única alternativa a este êxodo maciço e mortífero da nossa juventude", insistiu Gaye.

Sublinhando a dimensão política do problema, exortou os Estados africanos a assumir as suas responsabilidades em matéria de integração regional.

Mais de 25 mil jovens africanos chegaram desde o início de 2006 à Europa provenientes das costas africanas em embarcações obsoletas. As ONG humanitárias estimam entre mil e cinco mil o número de outros africanos mortos nos mares durante essas viagens perigosas.

Paris - 04/12/2006

www.didinho.org